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Língua Afiada

Defender os direitos das crianças

"as crianças de hoje serão os adultos ... do amanhã"

 

As crianças são o futuro, é nelas que reside a esperança de um mundo melhor, são o depois, nós partiremos e os desígnios do mundo estarão no seu poder, as crianças de hoje serão os adultos, os líderes, os trabalhadores, os cientistas, os médicos, os juízes, os advogados, os políticos e os pais do amanhã.

Os valores que lhes transmitimos serão os valores que os guiarão quando forem eles os adultos, terão eles oportunidade de os mudar e quem sabe melhorar, mas o que aprendem em crianças, a educação que os molda em tenra idade, as experiências que vivenciam, os comportamentos que têm como normais balizarão para sempre o seu comportamento, a sua forma de pensar e são eles que moldam a sua personalidade.

Os direitos da criança devem ser protegidos, mas para além de os protegermos temos obrigação de lhes preparar o futuro e essa obrigação passa por deixarmos este mundo melhor do que aquele que encontramos.

 

Será que é isso que estamos a fazer?

 

Apresentamos queixas às autoridades de um programa de televisão, mas não fazemos denúncias de fraudes, corrupção, exploração,...

Insurgimo-nos contra um programa de televisão que usa as fragilidades de uma criança para ter audiências, eu diria que usa as fragilidades dos pais e não das crianças, pois a criança só apresenta tal comportamento por culpa dos pais, o que me leva a pensar novamente que muita da indignação surge porque custa ver os nossos erros num julgamento público e que numa qualquer situação que envolva a birra de uma criança alguém pode dizer – devia ter chamado a supernanny.

Revoltamo-nos com as coisas pequeninas, com o que causa bulício nas redes sociais, com o que está na ordem do dia, mas as coisas importantes, aquelas que terão consequências diretas no futuro dos nossos filhos, nos filhos dos nossos filhos e nos filhos destes parecem passar-nos ao lado.

Preocupamo-nos com um programa de televisão quando as crianças e os adolescentes vivem agarradas a ecrãs, a ver vídeos de youtubers que são péssimos exemplos, que incitam a comportamentos inadequados e que são tidos como modelos a seguir, ídolos.

 

Reclamamos das consequências de um programa de televisão quando há crianças sinalizadas como estando em risco que não recebem o devido acompanhamento por parte da Segurança Social, crianças que vivem em ambientes traumatizantes, situações algumas que terminam infelizmente em tragédias.

Insurgimo-nos contra um programa de televisão que expõe uma criança a fazer uma birra, mas batemos palmas a crianças de 7 e 8 anos a manusearem facas e objetos cortantes, a sofrerem de ansiedade numa competição onde estão constantemente sobre avaliação, onde no final de cada prova são colocadas num contentor onde um adulto os faz contar o que sentiram, onde choram de alívio, de frustração e tristeza, mas isso não é explorar crianças, é estimular a sua competitividade.

Lutamos contra um programa de televisão quando há crianças cuja única refeição em condições é a que fazem cantina da escola, quando há crianças que todos os dias são entupidas de produtos processados carregados de açúcar e sal, quando há crianças que são consideradas obesas aos 6 anos de idade.

Protestamos que um programa não pode deixar uma criança exposta, mas não reclamos da falta de camas nos hospitais, na falta de equipas multidisciplinares para acompanhamento de pais e crianças, de listas de espera ridículas, da falta de resposta em tantas situações desesperantes.

 

Responsabilizamos os meios de comunicação pelo lixo que consumimos, mas não responsabilizamos o Estado e os sucessivos Governos e Autarcas que colocam em causa o futuro dos nossos filhos

Apresentamos queixas às autoridades de um programa de televisão, mas não fazemos denúncias de fraudes, corrupção, exploração, crimes que todos os dias vemos serem cometidos pelos cidadãos que prejudicarão o futuro dos filhos deles e de todos.

Responsabilizamos os meios de comunicação pelo lixo que consumimos, mas não responsabilizamos o Estado e os sucessivos Governos e Autarcas que colocam em causa o futuro dos nossos filhos, por causa deles iremos entregar aos nossos filhos um país falido, sem perspetivas de sustentabilidade, ameaçado por alterações climáticas que ajudamos a intensificar, despreparado para lidar com qualquer tipo de calamidade.

 

Criamos um tumulto por causa de um programa de televisão, mas não preparamos os nossos filhos para o futuro, estamos a criar seres totalmente dependentes, egocêntricos, egoístas, que não aceitam um não e uma contrariedade, que se julgam especiais, que acham que o dinheiro está disponível no ATM sempre que se precisa.

Sentimos desconforto a ver um programa de televisão que expõe a incapacidade dos pais em educar, em manter uma posição de autoridade, reclamos constantemente da educação permissiva, mas não exigimos ajuda, não exigimos que seja disponibilizada ajuda a quem precisa de conselhos, pelo contrário respondemos que os filhos são nossos sempre que um educador, um professor ou familiar tenta ajudar ou aconselhar.

 

Devemos defender os direitos das crianças, sem dúvida, se não concordam com o programa devem expor a vossa opinião, mas não se escondam da realidade, tenham esse grau de exigência em tudo, comprometam-se em criar um futuro melhor para os vossos filhos.

 

Combata-se a corrupção, o assalto aos nossos bolsos que nos priva de rendimentos para providenciar às crianças melhores condições, combatam-se as desigualdades para que todas as crianças tenham as mesmas oportunidades independentemente da proveniência, género, raça ou credo, exija-se uma reforma educacional que deixe de formatar as crianças e de entupir os professores de tarefas burocráticas, exija-se uma saúde mais presente e personalizada física e mental, exija-se uma sociedade mais justa, sem cunhas, sem privilegiados, exija-se que sejam tomadas medidas legislativas a longo prazo e não medidas populistas com vista à angariação de votos.

 

Deixamos o nosso futuro nas mãos de incompetentes que se pavoneiam pelos corredores do poder, que nos dão palmadinhas nas costas enquanto nos apunhalam diretamente na cara, sem qualquer vergonha ao pudor, penhoram o nosso futuro e o futuro dos nossos filhos e nós limitamo-nos a encolher os ombros e a dizer que são todos iguais, enquanto sacamos a carica de uma cerveja para ver quem irá ganhar o próximo campeonato.

Nós merecemos este presente, porque não fazemos nada para o mudar, cuspimos na cara dos nossos pais que lutaram para que hoje pudéssemos revoltar-nos contra um programa de televisão, mas os nossos filhos merecem o futuro que estamos a preparar para eles?

 

Não.

 

Merecem muito mais, temos o dever de fazer muito mais e muito melhor, nós a geração informada, letrada, sem palas nos olhos, sem censura e sem limites à liberdade. O que escolhemos fazer com essa liberdade? Destilar ódio nas redes sociais, invejar o próximo, seguir a manada, em vez de usarmos a liberdade para termos pensamento crítico, para exigirmos mais.

As gerações anteriores tinham a desculpa de terem falta de formação, uma educação insuficiente, informação acessível apenas a alguns, qual é a desculpa da nossa geração?

 

Displicência, desleixo, desinteresse, egoísmo, comodismo, conformismo?

São esses os valores que queremos passar aos nossos filhos?

 

As pequenas coisas são importantes, mas apenas quando as grandes se encontram resolvidas, não quando se encontram esquecidas, não podemos nós revindicar a proteção de uma criança que tem tudo para ser feliz, quando não fazemos nada para proteger as milhares de crianças que não têm as condições mínimas para crescer de forma saudável.

 

 

 

Muitas pessoas que reclamaram desta situação reclamam de outras situações, este texto não é obviamente para essas pessoas, mas sim para aquelas que só reclamam do que é moda e porque veem os outros reclamar e que nem sabem porque reclamam.

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