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Língua Afiada

Juízes da lei ou da moral?

Manuel Maria Carrilho foi absolvido do crime de violência doméstica na semana passada, segundo a juíza não existiram provas suficientes para que fosse condenado, não existem provas, caso encerrado, deveria ter terminado aqui a sua decisão, mas a juíza Joana Ferrer achou que deveria acrescentar mais qualquer coisa à sentença, e em vez de se pronunciar sobre a lei, decidiu pronunciar-se sobre a moral e tecer considerações com base nas suas premissas e tirar as suas próprias conclusões.

 

Na sentença podem ler-se as seguintes pérolas:

 

“Uma mulher determinada e senhora da sua vontade (como afirmado pelos seus próprios amigos) ‘casa’ mal com qualquer tipo de inibição, no caso de efetivamente se encontrar numa situação de perigo a que tivesse de reagir”.

Segundo a juíza uma mulher determinada e senhora da sua vontade é impossível de intimidar e subjugar, tamanha é a sua força, resistência e determinação, impossível, impossível a mesma sentir-se coagida, insegura e receosa de consequências.

 

“Temos mais dificuldade em considerar como verosímil que o tivesse feito com uma amiga e confidente de muitos anos e que lhe merece claramente uma grande confiança”.

A juíza também não acredita que uma mulher possa fazer tudo para manter as aparências, não acha possível que uma figura pública minta e aparente estar feliz para as revistas cor-de-rosa, precisamente as mesmas que a enxovalharam assim que o caso foi conhecido, explorando cada detalhe da tragédia que se abateu sobre a sua família.

 

“Assim como se não se coaduna com as regras da normalidade do acontecer que uma mulher determinada, independente e auto-suficiente em termos financeiros como é a Assistente – a qual afirma que aquele episódio a assustou e causou medo -, ficasse passivamente à espera de outros eventuais atos tresloucados da mesma natureza, por parte do Arguido, e não tomasse imediatamente medidas para se proteger, a si e, desde logo e acima de tudo, aos seus filhos”.

 

Para a juíza não é normal que uma mulher independente fique passivamente à espera de ser agredida, para a juíza mais uma vez uma mulher determinada não pode ser subjugada e livre-se de sentir medo, isso não é possível.

Não me pronunciarei sobre a sentença, se não existem provas forenses, nem testemunhos é complicado provar-se o crime, mas acusar a alegada vítima de mentirosa e desacredita-la porque não apresenta provas é uma história completamente diferente, só faltava dizer que não é normal um ex-ministro ser violento.

 

Sinceramente não sei em que mundo a juíza Joana Ferrer tem vivido, pois não faltam casos provados de mulheres que estando em condições semelhantes a Barbara Guimarães não conseguiram reportar os casos de abuso até que esses tenham ido demasiado longe, não faltam casos de mulheres obrigadas a fugir de casa, a esconder-se com medo dos companheiros e com receio de que ninguém acreditasse nas suas palavras.

Não entendo o que leva uma juíza a fazer juízos de valor sobre o que deve ou não uma mulher fazer em caso de ser violentada e que moral e conhecimentos tem para dizer que comportamento é ou não normal.

Que não queira condenar o alegado agressor com recurso apenas ao testemunho da alegada vítima é plausível, denegrir a alegada vítima e julgar o que deveria ser o seu comportamento ultrapassa completamente as suas funções e competências, pois um juiz seja ele qual for a menos que acumule com as suas funções uma licenciatura em psicológica clínica ou psiquiatria com especialidade em violência doméstica não tem qualquer autoridade, competência ou domínio para proferir tais palavras.

 

É desconcertante perceber que temos nos tribunais portugueses juízes que se acham não só donos da verdade, como chamam a si o dever de darem lições de moral, assim como se acham no direito de julgar as alegadas vítimas pelas suas ações e até inações.

Uma vergonha, uma vergonha este julgamento moral acobertado pelo julgamento da lei, vergonha ainda maior termos numa função tão importante pessoas completamente desfasadas da realidade.

Temos pessoas com poder para decidir a vida de outras que não fazem ideia do que é as suas vidas, que vivem alheadas das consequências e dos meandros desse crime medonho que é a violência doméstica.

Vergonhoso.

4 comentários

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    Psicogata 19.12.2017 12:24

    O descaramento de colocarem em papel tamanha atrocidade é a prova de que se julgam superiores.
    As sentenças que se têm conhecido, faço ideia das que não conhecemos são uma vergonha para este país e acima de tudo para as mulheres.
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    Anónimo 21.12.2017 07:27

    Juizes são considerados superiores ? Loles. Simplesmente a Sra Juíza foi plausível (deve pensar que não são objeto de formação acerca da violência doméstica, dai dizer COM BASE NA EXPERIÊNCIA D OUTROS TANTOS MILHARES DE CASOS QUE NÃO os de Barbára Guimarães)
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    Psicogata 21.12.2017 09:31

    Tanta ingenuidade!
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