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Língua Afiada

O anónimo convicto

Isto podia ser um texto sobre os anónimos que comentam o blog, mas não, é sobre a onda do anonimato e da dificuldade que algumas pessoas têm em dizer o seu nome.

Quando um blog ou publicação online permite que as pessoas comentem em formato anónimo, estas são livres de o fazer, porque sejamos sinceros entre comentar como anónimo ou com um nome que ninguém conhece e que não está associado a nenhuma conta não há realmente diferença, e sendo anónimo evita-se a burocracia do registo.

 

No meu trabalho atendo alguns clientes por telefone, normalmente as situações complicadas e delicadas acabam por ser tratadas pelo meu departamento, o que é uma fonte de dores de cabeça, felizmente não são muitos e é apenas uma pequena parte do que faço.

Todos já estivemos do lado do cliente, quem é que nunca ligou para uma empresa a reclamar de um produto ou serviço? Particamente toda gente já o fez pelo menos uma vez.

Quando a situação é grave é normal que o cliente fique nervoso, reclame muito, exija muito e tenha necessidade de desabafar, o melhor a fazer é dar-lhe uns minutos para expor a situação enquanto se demonstra preocupação e profissionalismo, mesmo que se tenha vontade de lhe pedir para ver se está a chover no Quénia.

 

Muitas vezes a principal reclamação do cliente é não ter conseguido concretizar a chamada no imediato, ter ficado em linha de espera ou não conseguir falar à primeira com o departamento certo. Qualquer uma destas situações é suficiente para descarregar uma reclamação indignada e inflamada qual tempestade em cima da telefonista.

Admiro a paciência da minha colega que atura constantemente com os indignados de serviço, porque os indignados da Internet não se indignam só nos blogs e nas redes sociais, também se indignam por telefone.

E, pasmem-se, também querem ficar anónimos, mesmo quando o seu número de telemóvel ou fixo aparece no monitor da central telefónica.

Não entendo a relutância das pessoas em se identificar quando ligam para uma empresa, especialmente quando lhes é educadamente perguntado o nome para facilitar o tratamento da pessoa em si e da questão.

Não tinha ideia da quantidade de vezes que isto acontecia até ao dia que a minha colega se ter recusado a transferir uma chamada de uma pessoa que se recusou identificar, foi tão mal educada que ela na hora de almoço contou a situação.

Já estava familiarizada com os mal-educados, mas fiquei surpreendida quando me disse que eram bastantes os casos das pessoas que se recusavam dizer o nome e até o assunto, tronando impossível a transferência da chamada.

 

Ontem foi o dia do anónimo mais anónimo de sempre, ligou para a empresa a primeira vez foi atendido pela telefonista, recusou identificar-se e a dizer qual era o assunto, apenas referiu que precisava falar com o departamento técnico, após insistência da minha colega em saber o nome e o assunto perguntou se a minha colega era da polícia.

Como não foi possível transferir a chamada, tomou nota do número e passou recado à colega do departamento técnico para entrar em contacto assim que possível.

A colega do técnico liga, a mesma situação, recusou-se a dizer o nome, mas como já estava a falar com o departamento técnico lá expos a situação, era uma situação do âmbito do marketing, mais uma vez toma nota e transmite-me o número do cliente, sem o nome.

Quando me ligou a pedir que entrasse em contacto com o cliente de imediato só me deu vontade de rir, primeiro porque parecia um caso de vida ou morte (não era) e segundo porque me relatou que já era a segunda chamada com o cliente e que este se recusava em fornecer o nome, avisou-me também que falava imenso, não deixando sequer esclarecer qualquer dúvida.

 

Tive vontade de só retribuir a chamada de tarde, mas respirei fundo e lá liguei ao cliente que mais uma vez não se identificou, falou, falou, falou, primeiro da dificuldade em falar com a pessoa certa, depois do “problema”, esclareci-lhe a situação e parecia que estava tudo tratado quando o Sr. começa a reclamar ainda mais efusivamente por lhe terem perguntarem o nome quando ligou, estava muitíssimo indignado, parecia até ofendido.

Socorri-me da paciência que não tenho e expliquei-lhe que é norma da empresa perguntar o nome e o assunto, nova indignação – “Isso não é norma nenhuma! Que normal é essa? Isso não é norma!”

Não tive outro remédio de lhe responder cruamente – “ É norma da empresa, está no seu direito de concordar ou não concordar com ela, mas se lhe digo que é norma da empresa é porque é, é a empresa que define as normas e as regras com que trabalha, não é o Sr. que defini a forma de trabalhar da empresa.”

Isto já num tom firme e pouco cordial que contrastava claramente com o meu tom paciente até ali. Não satisfeito insiste no assunto, que não era correto perguntarem-lhe o nome, que se pediu para falar com o departamento só tinham de lhe passar ao departamento.

Interrompi-o e disse-lhe: “São normas da empresa, se tivesse dado o seu nome e exposto o seu assunto na primeira vez que ligou a sua chamada seria transferida de imediato para o departamento certo e a situação teria sido resolvida no imediato em vez de três telefonemas teria resolvido o assunto no primeiro”

Juro que o ouvi engolir em seco.

Agradece e decide finalmente informar o nome.

Claramente acha que tem um nome muito importante para ser dito assim à primeira pessoa que lhe aparece, deve ter receio que fique gasto ou contaminado, foi a minha resposta mental.

 

Tenho um desprezo enorme por estas pessoas altivas e arrogantes, que acham que são sempre as mais importantes e que tratam com desconsideração e menosprezam as telefonistas, achando que não lhe devem satisfações, que devem ser imediatamente transferidas para as mais altas instâncias das empresas.

Enganam-se tanto, serem simpáticos com a pessoa que os atende é meio caminho andado para verem o seu assunto bem encaminhado e até quem sabe ter prioridade.

Já não foram poucas as vezes em que a minha colega me pede para tratar de um assunto da pessoa X ou Y rapidamente porque são pessoas muito simpáticas e educadas.

Não sei de onde surgiu a ideia de que reclamar muito, ser ríspido e arrogante é a melhor forma de ver uma situação resolvida. Para além do stress que a situação causa a todos não resolve nada só piora.

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