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Língua Afiada

O tecido empresarial português

Desde que entrei no mercado de trabalho que a minha imagem das empresas e gestores tem vindo a piorar consecutivamente.

Se no meu primeiro emprego a ideia que tinha do funcionamento de uma empresa até se manteve, bastou mudar-me para outra empresa para perceber que a primeira era a exceção e não a regra.

A ilusão caiu por terra quando percebi que o gerente da empresa não tinha o mínimo de vocação para gerir quer pessoas, quer clientes, mas a equipa era boa e unida e o trabalho fluía normalmente, quando todos são competentes o navio navega mesmo que o capitão não faça ideia de como chegar ao destino. É claro que bastou integrarem na equipa uma pessoa incompetente numa posição que mexia com o trabalho de todos para o navio andar sem rumo, sem uma mão firme e exigente é fácil um único elemento prejudicar toda a empresa, especialmente se formos apenas seis pessoas e todo o trabalho estar interligado.

 

Apesar de ser uma empresa pequena, devido a área de negócio permitiu-me ter contacto com diversas empresas das áreas mais distintas, desde a agricultura aos serviços, passando pela indústria.

Não foi necessário muito tempo para perceber que quase todas tinham um denominador comum, falta de visão, extrema burocracia, verticalidade e uma séria dificuldade em tomar decisões. Arrisco-me a dizer que a grande maioria era gerida a curto-prazo, na reação, sem mínimo de inovação ou proatividade, que era, na altura, a palavra da moda.

 

Mudei de emprego e de área de negócio, mudei novamente, o cenário que encontrei não foi diferente daquele que conheci nas outras empresas, com a agravante que agora trabalhava numa empresa assim, o que era desafiante e muitas vezes frustrante, mas quando se faz um trabalho a longo prazo vamos conseguindo pequenas vitórias, e, hoje, é com orgulho que digo que participei ativamente em várias mudanças positivas na empresa onde me encontro.

No entanto, a minha opinião sobre o tecido empresarial português não melhorou, quer pela minha experiência, quer pela experiência de colegas e amigos, vou percebendo que apesar de se terem passado 15 anos, encontramos os mesmos estigmas, os mesmos obstáculos, a mesma resistência, a mesma incapacidade de inovação e de proatividade.

 

Ao longo destes anos fiquei com duas ideias, primeira que esta inatividade era caraterística das empresas mais antigas e segunda que a Sul as coisas deveriam ser diferentes. Ideias completamente erradas, isto também acontece em empresas novas e também acontece no Sul.

 

Encontro-me a trabalhar num projeto que me obriga a estar em contacto com diversas empresas portuguesas, umas centenárias outras criadas há meses, é avassalador perceber que para se fazer qualquer coisa é um caminho penoso, mesmo quando se quer, imagine-se, comprar.

É extremamente revigorante perceber que algumas start ups são incrivelmente dinâmicas e proactivas, nascidas do puro empreendorismo, são essas as primeiras a queixarem-se da falta de sinergia entre empresas, da falta de partilha de conhecimentos, de experiências, como se fosse impossível empresas que são inclusive de áreas diferentes, algumas até complementares, ajudarem-se mutuamente.

É também animador perceber que algumas empresas com muitos anos de história se souberam reinventar, inovando ao mesmo tempo que protegiam a sua identidade.

 

Surpreendente, ou nem tanto, foi perceber que até Aveiro existe uma realidade e depois de Aveiro outra completamente diferente, a hospitalidade das pessoas na vida privada quer se queira, quer não passa para a vida empresarial e isso é percetível em tudo, nos telefonemas, nos emails, nas reuniões.

Não é geral, encontrarmos empresas de difícil acesso no Norte e empresas que nos receberam muitíssimo bem no Sul, mas são sem dúvida a exceção.

 

Infelizmente a dificuldade em obter respostas é transversal, eficiência e eficácia não são adjetivos que descrevam o nosso tecido empresarial, vemo-nos a ter o triplo do trabalho porque grande parte das empresas demora imenso tempo a dar resposta, quando dá, em algumas consegue-se perceber uma desorganização total e há ainda os casos que claramente declinam a proposta porque implica trabalho extra.

 

Desenvolver qualquer projeto em Portugal que dependa de diversos fornecedores e parceiros requer resiliência, paciência e uma enorme devoção, devoção pois dedicação não é suficiente. Não é de estranhar por isso que imensos projetos com potencial fiquem pelo caminho, há um hiato enorme entre a ideia e a sua concretização que implica um grande envolvimento emocional e um elevado investimento em tempo e muitas vezes um grande esforço financeiro.

 

Este não é o primeiro texto que escrevo sobre a realidade das empresas portuguesas, mas este é um relato na primeira pessoa.

Criar um negócio em Portugal é dificílimo, não me entendam mal, criar um negócio é fácil, difícil é faze-lo como deve ser, como escrevi neste texto há demasiados empreendedores em Portugal que não fazem a mínima ideia de como gerir uma empresa ou negócio, há demasiados negócios a ocupar espaço, a queimar oportunidades.

 

Já escrevi várias vezes que o problema de Portugal é a gestão, mas quanto mais penso no assunto mais tenho a certeza de que há muito poucas pessoas a saber gerir, seja a empresa, seja o ordenado, é um problema crítico, epidémico.

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