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Língua Afiada

Coisas que me dão um nervoso #1 – Penas nos frangos

Tio Belmiro, permita-me a expressão, eu quando compro um frango espero que ele venha livre de penas, se o quisesse depenar comprava-o vivo, assim um muito jeitoso e bonito e entretinha-me a depena-lo, dizem que até pode ser terapêutico.

Quando um produto diz na embalagem Seleção num logótipo bonito preto e dourado, cores que simbolizam luxo, eu parto do princípio que como indica a palavra, o produto, neste caso o frango, foi selecionado, meticulosamente preparado, testado aos mais altos níveis de qualidade para quando chegar à minha casa eu não tenha de me preocupar com detalhes.

Eu entendo que queiram apresentar a cabeça, há quem goste de a comer, sabe-se lá porquê, que traga as miudezas e o sangue que dá jeito para fazer a cabidela, as patas são muito boas na canja, mas não entendo porque não lhe tiram as unhas, a cabeça ainda pesa, mas as unhas? Não pesam quase nada.

Mas o que me chateia mesmo são as penas, será assim tão difícil embalar os frangos sem penas? Ainda por cima são daquelas grossas, não é uma penugem leve que se queima com um isqueiro (técnica da minha mãe) são penas grossas que quando se arrancam deixam buracos na pele.

Passei mais tempo a livrar-me das penas do frango do que a preparar todo o assado, estas coisas embaladas não são supostamente para ser práticas?

É que entre matar o frango, escalda-lo e depena-lo e livrar-me das penas a frio, a poupança de tempo é quase nula, aliás tenho a certeza que a minha avó prepararia o frango vivo mais depressa do que eu me livrei das penas do frango embalado.

Seleção, seleção de penas. Ora vamos ver vamos deixar estas para as pessoas pensarem quer o frango é caseiro.

Estou bem, mas obrigada pela preocupação, do fundo do coração.

Fico comovida como pessoas que não me conhecem em carne e osso se podem preocupar genuinamente comigo. Obrigada.

O último post que fiz deixou algumas pessoas preocupadas, já acrescentei a tag ficção para que não se preocupem.

Este cantinho é mais um blog pessoal do que outra coisa, mas hoje decidi inaugurar uma nova rubrica de ficção - Fragmentos.

O texto que publiquei hoje é apenas um fragmento de uma estória. Provavelmente haverão mais fragmentos desta ou de outras estórias.

Se estou mais triste hoje do que nos outros dias, provavelmente sim, mas como no final do texto na minha vida há sempre luz.

É muito bom sentirmos o carinho e a preocupação das pessoas que nos leem, dos que nos leem sempre, dos que aparecem de vez enquanto e dos novos, a maioria deve vir por engano, mas sintam-se sempre bem-vindos.

 

 

 

Fragmentos #1 - A dor da incerteza da confirmação

Enquanto sinto a água quente a escorrer-me pelas costas penso no quanto quero que o tempo pare, desejo ficar ali até a dor da pele martirizada pelo calor me acordar daquele torpor.

Queria desligar o mundo e desligar-me dele, será possível?

Não creio.

Penso nas mil e uma coisas sem sentido na minha vida e agarro-me àquelas que me parecem dar-lhe todo o sentido.

Percorro mentalmente a conversa à procura de uma resposta, não a encontro, entre os devaneios, os sonhos e as quimeras fica o vazio.

Porquê eu? Questiono-me sem cessar? Terei feito alguma coisa tão cruel que a vida tenha sentido necessidade de me punir tão impiedosamente.

Mais uma vez não tenho respostas.

Perscruto o silêncio, o que estará ele a pensar?

Estará a lamentar ter-me escolhido? Estará a encontrar a melhor forma de partir? Estará apenas triste comigo? Será que me culpa?

Não. Não, eu não tenho culpa.

Não fiz nada para que isto acontecesse, nasci assim.

Penso em Deus, mas há muito que a fé me abandou, ou terei sido eu a abandona-la?

Sinto o vazio novamente, um vácuo no fundo do colo, uma dor inexplicável, contraio-me, contorço-me de tal forma que sou obrigada a sentar-me.

Percebo que a dor é por não conseguir respirar, estou ofegante, soluço convulsivamente, sinto o coração a galopar, os pulmões em esforço, a garganta a fechar-se num grito mudo.

Acalma-te, acalma-te, acalma-te.

Tranquilizo lentamente a respiração, canto uma canção em pensamento, começo lentamente a recuperar a calma e o controlo do meu corpo, respiro profunda e demoradamente dez vezes, enxugo as lágrimas, mordo os lábios, levanto-me, embrulho-me na toalha e saio.

Ele entra e pergunta:

- Estás bem?

- Estou.

Pergunta-me se preciso de alguma coisa, olho-o nos olhos e percebo que estão vermelhos, esteve a chorar sem lágrimas. Reconheço aquele contorno avermelhado, aquele marejar baço no olhar que fica quando as lágrimas não brotam.

- Não preciso de nada.

Quando queria dizer-lhe preciso de ti, preciso tanto de ti.

Não houve necessidade de palavras, ele desvendou nos meus olhos todas as falas presas nos meus lábios trémulos.

Envolveu-me num abraço apertado e disse:

- Estarei sempre aqui, não irei a lugar nenhum.