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Língua Afiada

A impaciência da maturidade

Sou pouco paciente, especialmente para pessoas insistentes e com dificuldades de compreensão, tenho vontade de lhes responder torto e resmungo entre dentes ou mentalmente.

Sou impaciente e pouco compreensiva, bravejo, mas ajudo, no fundo não consigo deixar de ajudar, pois apesar de impaciente sou complacente, sinto empatia e compadeço-me com os apuros dos outros, mesmo quando não tenho nada a ver com o assunto.

 

Nem sempre fui assim, já fui muito mais paciente, muito mais compreensiva e muito mais prestável, fui educada para ajudar quem tem mais dificuldades, quem precisa de esclarecimentos, quem sabe menos do que eu, fui educada para ser melhor e indiferente que àqueles que se acham superiores por algum motivo, usando a simpatia e a bondade como arma, consciente que Deus protege os justos e os corretos.

 

Fui educada para ser boa pessoa, mas durante anos lutei contra isso porque via constantemente pessoas boas e justas a sofrer, enquanto pessoas más e mesquinhas triunfavam, desde cedo percebi que o mundo não é justo e a vida não é uma balança, as boas ações não se refletem necessariamente em acontecimentos favoráveis a quem as pratica e o inverso é igualmente verdade.

Revoltei-me, mas o tempo, esse sábio conselheiro, mostrou-me que andar revoltada com o mundo também não seria a solução, o único caminho a seguir era ser fiel a mim mesma e aos meus princípios, ser boa pessoa teria ao menos uma compensação, a consciência tranquila, o sentimento de dever cumprido, o saber que estava a ser verdadeira e correta.

Esta filosofia, este modo de vida, são bonitos, politicamente corretos e ótimos para a consciência, mas a longo prazo são péssimos para a autoestima, para a motivação e para a perceção que temos do mundo.

 

Faço uma retrospetiva da minha vida e consigo dividi-la em quatro períodos distintos, a infância doce e despreocupada onde domei o espírito rebelde, a adolescência onde a doçura e a inocência deram lugar à revolta e ao inconformismo, a idade adulta onde temperei o temperamento, aprendi a domar a vontade, a refrear os instintos, a ver sempre o lado bom de todas coisas e o tempo que veio depois, a maturidade que só vem depois de nos faltarem pessoas, de nos falharem, de nos deixarem cair, onde o desencanto é profundo e irreversível, a maturidade que vem do saber que não há caminhos certos, fórmulas para a felicidade e que a vida pode parecer colorida, mas no fundo é uma grande mancha de cinzentos, onde é difícil distinguir o preto do branco.

 

Na maturidade perdemos a paciência, essa é a verdade, não sei quem inventou que com a idade ganhamos paciência, que mentira tão descarada. É precisamente o contrário, com a idade deixamos de ter paciência para o que não nos interessa, deixamos de ter paciência para pessoas que não nos dizem nada, deixamos de ter paciência para fretes, para o politicamente correto.

 

Ah os idosos têm muita paciência para as crianças!

Eles não têm paciência para as crianças, eles apreciam-nas porque sabem que aquela doçura não durará para sempre, têm paciência porque preferem lidar com as suas travessuras verdadeiras do que com a hipocrisia dos adultos e a má disposição dos jovens.

 

Os idosos não se importam de esperar!

Mentira, o que eles já aprenderam é que irritar-se com uma fila não a fará andar mais depressa, irritar-se com a incompetência de alguém não a fará mais expedita, a irritação só trará mais frustração e um atraso maior.

 

Mas a maturidade não é instantânea, surge lentamente com o passar dos anos, ao mesmo tempo cresce-nos a impaciência, a vontade de só fazermos aquilo que realmente nos faz felizes, começamos a ver a vida a passar-nos diante dos olhos e percebemos que é necessário estabelecer prioridades, não há tempo para tudo, não há horas suficientes para tudo o que queremos fazer e nem todo o dinheiro do mundo nos compra tempo.

 

Quanto mais o tempo passa mais certeza tenho das minhas prioridades, mais certeza tenho também que estou mais à frente que a maioria das pessoas da minha idade, felizmente não precisei de nenhum susto, nem de viver muitos anos para valorizar as pequenas coisas, o tempo que usufruo como bem entendo e os momentos de lazer que são verdadeiros momentos de prazer.

Um dia sonhei ser rica, agora sonho em ser rica em afetos, momentos, instantes, vivências, convívios, a vida é uma experiência que o dinheiro pode patrocinar, mas não definir, trabalha-se para viver, não se deve viver para trabalhar.

 

É uma pena, uma pena que nem todas as pessoas pensem assim e vivam a trabalhar para um amanhã que poderá nunca chegar, que construam a sua vida com base em valores materiais e esqueçam-se que os valores principais não se compram, ensinam-se e praticam-se.

Não tenho paciência para essas pessoas, perdi a paciência para quem não me diz nada, as pessoas que fizeram um dia parte da minha vida não têm de fazer parte dela para sempre, serão sempre importantes mas no seu tempo.

 

Os últimos dois anos foram uma avalanche de desilusões, de deceções com pessoas, umas atrás das outras, tombaram como um castelo de cartas, sinto que fui muitas vezes, demasiadas vezes a cola que equilibrava as cartas, cansei-me de empilhar as cartas uma a uma, de as colar com a cola invisível que as unia sem que elas se apercebessem.

Com os anos perdi a paciência para construir castelos de cartas, no fundo nunca quis um castelo, muito menos de cartas frágeis de papel que se desmorona à mais ligeira brisa fria e desagradável.

 

Afinal eu não sou uma princesa, sou uma mulher comum e não preciso de um castelo para ser feliz.

 

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