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Língua Afiada

WTF # 9 – Meses de ti!?

Na era das redes sociais não são apenas fake news que se propagam à velocidade da luz, palavras, termos e expressões copiam-se até à exaustão e passam a fazer parte do nosso mural e é assim que expressões que poderiam ter ou fazer sentido num contexto mais restrito perdem o seu significado e essência e tornam-se apenas ridículas e parolas, sim parolas porque não há nada pior do que adotar uma moda sem sentido.

 

O exemplo mais comum no meu mural é o de papás e mamãs babados escreverem 3, 4, 6 meses de ti, pior do que isto só mesmo escrever 37 meses de ti.

 

De ti? Mas agora a criança é algum objeto para ser de alguém?

Criaturas são 3,4, 6, 37 meses (se fizerem questão) contigo! CONTIGO!

 

Os pais estão a acompanhar a criança, não têm a posse dela, embora cada vez mais alguns considerem os filhos sua propriedade.

Vamos substituir o contigo pelo de ti só para percebermos o ridículo da expressão:

São 9 meses de felicidade de ti.

São 2 anos de angústia de ti.

Gosto muito de viver de ti.

 

Pior do que escrever x meses de ti só mesmo dar uma série de erros ortográficos a seguir e terminar com #amorparaavidatoda.

Adoro a música, mas a frase só faz sentido ali, precisamente na música que diz “Ali, eu soube que era amor para a vida toda” agora escrever apenas amor para a vida toda, soa mal, escrevam amor para toda a vida, porque essa expressão sim é intemporal e não uma moda.

Sempre que um pai ou mãe escreve x tempo de ti Camões deve amaldiçoar a língua portuguesa e devem morrer pinguins bebés na Patagónia.

 

Há muita parvoíce no mundo da maternidade e da paternidade e as redes sociais só fazem com que a estupidez se propague e se torne contagiosa.

Outra coisa que me irrita é apelidarem os filhos de baby Gonçalo, baby Tomás, entendo que quem escreve num blog ou página profissional possa ter essa necessidade para identificar os filhos sem colocar em causa a sua privacidade, agora nas páginas pessoais a legendar as fotos dos filhos colocar o baby Ricardo hoje fez isto ou aquilo é muito parvo, especialmente quando o baby tem 6 anos.

Será que em casa os tratam por baby? E aos adultos o que chamam? O adulto Fernando hoje chegou tarde para jantar ou o marido Jorge hoje está doente.

O baby faz sentido para substituir os termos filho, filha, bebé, como marido e esposa substitui o nome da pessoa quando nos referimos a ela, descrever tudo o que o filho ou filha fazem usando a palavra baby seguida do seu nome completo é só mais uma moda sem sentido.

O cúmulo do rídiculo é alguém escrever:

 

42 meses de ti baby Rodrigo
#amorparaavidatoda

 

Morri!

Eu sei que a minha paciência está abaixo de zero e que estou mais sensível a estes temas, mas por favor ganhem juízo e não enervem as pessoas.

 

 

 

 

 

Estado de graça ou de desgraça? #2 Flexibilidade

Flexibilidade essa palavra parece agora um conceito tão distante, tão distante que já me esqueci do que é.

Nunca fui uma ginasta, mas sempre me orgulhei se ser ágil e flexível e apesar de passar anos sem fazer exercícios específicos para promover a flexibilidade todos os dias usava pequenos truques para a manter, pois faço questão de conseguir chegar facilmente aos pés.

Os truques são simples, nunca me sento para me calçar, levanto sempre os pés à altura necessária para calçar meias e sapatos e baixo-me para apertar cordões, no banho nunca me baixo para lavar os pés, ergo os pés até à altura necessária para os lavar convenientemente e consigo esfregar toda a superfície das minhas costas o que envolve contorcer os braços de várias formas para o conseguir, o mesmo se passa ao colocar creme, outro exercício de ginasta é fazer a depilação, as posições em que me coloco chegam a ser cómicas.

 

Mas estes dias de flexibilidade parecem estar cada vez mais distantes, ontem ao tomar banho percebi que ergo os pés com imensa dificuldade, levantar-me do sofá ou da cama parece agora uma aventura equivalente a equilibrar-me nuns patins em linha.

A única coisa que penso é que se isto é assim com 21 semanas como será com 40?

 

Sempre esperei fazer uma barriga pequena e redondinha, daquelas que passam despercebidas até praticamente o bebé estar cá fora, mas não terei essa sorte, pela amostra irei fazer um barrigão daqueles em que a mulher desaparece e fica só a barriga no seu lugar.

Confesso que é maravilhoso ver a barriga crescer, nos primeiros tempos sabia que estava grávida, mas não me sentia grávida, só quando a barriga ficou proeminente e comecei a sentir o bebé a mexer é que me senti grávida em toda a plenitude.

Mas, e há sempre um mas, o bebé não precisa de uma piscina olímpica para nadar, podia perfeitamente aprender a nadar confortavelmente numa piscina mais pequena, igualmente acolhedora e quentinha.

 

Ainda não nasceu e já é espaçoso, estava preparada para ele ocupar grande parte dos meus pensamentos e da minha vida, mas não estava preparada para ele ocupar todo o meu espaço, isto deve ser preparação psicológica para a ocupação do meu lugar no sofá e na cama quando nascer, espaçosos, já sabemos que eles querem (e nós lhe daremos de bom grado) os melhores spots da casa.

 

É tudo maravilhoso, menos a perda de flexibilidade e as pontadas nas costas e as cólicas renais, essas sim dispensava-as bem, as cólicas provocadas por gases também não fazem cá falta nenhuma, mas depois uma pessoa sente um peixinho a passar por baixo da pele e coloca gentilmente a mão na barriga para o sentir e sorri, estupidamente sorri e tudo passa.

As contradições da gravidez são abismais e depois ainda se admiram que sejamos uma bomba de nitroglicerina prestes a explodir a cada oscilação, não é para menos, não é para menos.

November Rain

Novembro começou chuvoso, frio e escuro, invernal e soturno, a prometer serões aquecidos à lareira regados pelo néctar dos deuses e alimentados a conversas infindáveis e gargalhadas revigorantes.

Castanhas a estalar no forno, enchidos e queijos servidos na tábua, aroma a canela da aletria e romãs na fruteira.

A chuva bate na janela, desenha contornos indecifráveis que nos fazem sonhar, o vento abana as árvores e as suas folhas soltam-se cobrindo o chão de um manto castanho, amarelo e laranja que pisamos com a alegria de uma criança.

Cheira a lenha acabada de queimar, estalam os cavacos nas lareiras, aquecemos as mãos numa chávena de chocolate enroscados na nossa manta preferida.

É bom estarmos quentes quando sabemos que lá fora o frio corta, um aconchego que só se sente quando o frio transforma o sofá o nosso local favorito.

Dias frios e escuros aquecidos pelo conforto do lar e dos nossos.

O frio traz a neblina matinal, envolta em segredos e mistérios num misto de beldade e terror, as nuvens desenham formas engraçadas.

Há beleza no frio, há espaço para o conforto, mas ainda nem os ossos se habituaram às baixas temperaturas e já o corpo está cansado da estação, o inverno ainda nem sequer começou e as saudades do verão queimam a pele em vez do sol quente e revigorante.

Gosto de sentir o frio lá fora, gosto do aconchego dos cobertores, mas sou muito mais feliz com calor, com o sol a refletido nos cabelos, os pés descalços enterrados na areia e com salpicos de mar na face.

Saudades do meu verão.

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