Os cães ladram e o fogo passa
Prevenção, multas pesadas, planos de ação, mudanças significativas foram anunciadas para que as tragédias de 2017 jamais se voltassem a repetir em Portugal.
Muita parra, pouca uva, muita conversa, pouca ação e demasiada confusão e desorganização.
A propaganda quase, quase que resultava graça às condições climáticas especiais deste Verão, que tirando a onda de calor dos últimos dias não existiu, mas bastaram uns dias de temperaturas elevadas para deflagrarem os fogos, para deflagrar um fogo há muito anunciado e esperado, qual profecia de especialistas e da população em geral, francamente não é preciso ser um perito no assunto para perceber o barril de pólvora instalado na Serra de Monchique.
Visitei o local no ano passado, vistas de cortar a respiração, mas as estradas sinuosas e mal assinaladas para lá chegar fazem perder a vontade de chegar ao topo, chegados a um dos pontos mais altos encontramos um posto de vigia, pelo estado estaria desativado como tantos outros espalhados pelo país, uma vista de 360 graus de verde com azul ao fundo, ar puro e muita vegetação desordenada, uma imensidade de mata sem corta-fogos e sem acessos.
Desordem, a mesma desordem que existe em tantos outras serras e locais de Portugal, porque convenhamos Portugal é um país desorganizado, baseado no desenrascanço e na vontade de Deus.
De 2017 para 2018 o que mudou? A prioridade, porque o Governo e as entidades responsáveis podem sobreviver a milhares de hectares ardidos, mas não conseguiriam sobrevier a outra perda de vidas humanas, por isso todos os esforços foram canalizados para colocar as populações a salvo, o que deveria ser sempre a prioridade, mas a população poderia colaborar e sair por sua livre e espontânea vontade, mas mesmo com um exemplo tão próximo há quem pareça valorizar mais os bens do que a vida.
Prioridades definidas e populações a salvo como se explica que um fogo que deflagrou na tarde de sexta ainda continue ativo na quarta seguinte?
Sabemos que a região aguardava a aprovação de um plano de prevenção há 7 meses, plano esse que previa criação de pontos de água, aceiros e caminhos de acesso para combate ao fogo na serra, tudo aquilo que faltou e dificulta o combate ao fogo.
Para melhorar a imagem do país sabe-se agora que o 112 não tem pessoas suficientes para dar resposta aos pedidos de ajuda.
Sinceramente com tamanha negligência e desinteresse pela floresta e pelas pessoas é um milagre que a tragédia não tenha tomado proporções maiores.
É urgente a reordenação da floresta, se continuarmos neste caminho com o aumento geral da temperatura e da propensão a fenómenos climáticos extremos não demorará muito a que Portugal em vez de verde, seja negro e cinza.
Não vale a pena culpar as condições climáticas, porque em primeiro lugar já todos estavam avisados que as temperaturas iriam subir, em segundo lugar é pela prevenção que se combatem os fogos, não é esperar que ardam para se tomar medidas.
Todos ladram, mas o fogo passa devastando tudo o que encontra pela frente, felizmente desta vez não ceifou vidas, mas delapidou um património importantíssimo onde se encontram flora e fauna protegidas, que se perdidas nunca mais conseguirão ser repostas.
Foto: Miguel A. Lopes/Lusa