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Língua Afiada

Fragmentos #3 - Desencontrados - Os dias de Rui (Cap. II)

A pedido de algumas pessoas aqui fica continuação dos dias de Joana, quem não leu o primeiro capítulo pode ler aqui.

 

Rui dava voltas e mais voltas na cama, não conseguia adormecer, pensava como a sua vida tinha chegado àquele ponto, não encontrava uma saída, não via um caminho, queria lutar mas sentia-se de mãos e pés atados.

A situação da empresa tinha-se complicado, não conseguia fazer face aos problemas e o seu sócio tinha-o deixado sozinho, se por um lado tinha carta-branca para tomar decisões por outro tinha toda a responsabilidade às costas.

Para agravar a situação discutia cada vez mais com a esposa, eles que sempre foram um casal de meter inveja, sempre juntos, sempre a sorrir.

Sentiu Joana encolhida ao seu lado, dormia agora, tinha demorado a adormecer, sabia-a nervosa e angustiada, pensou em como a amava e em como só a queria proteger, pensou que teria de lhe contar a verdade sobre a empresa, a situação era muito mais grave do que aquela que ela poderia imaginar.

Sentiu um aperto no coração, abraçou-a, afagou-lhe o cabelo e adormeceu.

Segunda-feira, tinha de decidir se despedia funcionários ou se continuava a perder dinheiro, Rui era um bom patrão, um gestor ponderado e amigo dos seus colaboradores, quando fundou a empresa com o seu amigo João tinham prometido que não iriam pelo caminho mais fácil, teriam uma empresa que gerasse valor para todos e não enriqueceriam a explorar os seus funcionários.

E agora estava ali, a pontos de despedir dois colaboradores prestáveis, competentes e amigos.

- Caramba eles são meus amigos…

Disse em voz alta enquanto analisava os valores das indeminizações e estudava o discurso, poderia ter deixado o problema na diretora de recursos humanos, mas não o poderia fazer, cabia a ele dizer àqueles homens, seus companheiros, que iriam ficar sem trabalho.

Estava a digitar o número de um deles quando o outro bate à porta.

 

- Sim…

- Bom dia Rui. Tens uns minutos? Preciso de falar contigo.

- Sim Carlos entra por favor, senta-te. Disse engolindo em seco.

- Rui recebi uma proposta irrecusável de trabalho que não posso mesmo recusar.

- Entendo, existem propostas que não se podem recusar. Respondeu Rui.

- Lamento pedir-te isto mas seria possível deixares-me sair sem dar os dois meses à empresa, precisam de mim para entrada imediata e é uma proposta tão boa. Não é uma empresa concorrente, sabes que nunca faria isso.

- Quando tens de entrar ao trabalho?

- Na próxima segunda-feira, trabalho esta semana, consigo passar todo o trabalho ao Francisco até lá, não te preocupes, não saio daqui sem deixar tudo encaminhado e claro não necessitas de me pagar as férias.

- Ok, só peço que em vez de passares os projetos ao Francisco passa-los antes à Raquel, ela depois distribui o trabalho pela equipa.

- Mas ela está sobrecarregada Rui, não será melhor passar ao Francisco? Perguntou Carlos estranhando Rui ter pedido que os projetos fossem passados à chefe da equipa.

- Prefiro que ela fique ao corrente de tudo e distribua o trabalho. Obrigado.

 

Carlos saiu e Rui suspirou de alívio, aquele despedimento súbito comprou-lhe tempo, era um balão de oxigénio para mais uns dias, especialmente porque Carlos era um dos designers com o ordenado mais alto, é certo que era bom, mas a diferença de rendimento era abismal.

Rui telefonou de imediato para a diretora de recursos humanos a informar da situação e de seguida para o diretor financeiro, ambos suspiraram de alívio, Ana por não ter de tratar do processo de despedimento do amigo e Mário por perceber que não teria de fazer ginástica orçamental para pagar a indeminização a Carlos.

Já não necessitava de despedir ninguém pelo menos nos próximos seis meses, mas um despedimento não resolvia nada, apenas adiava.

 

Nesse dia chegou a casa cansado mas mais animado, Joana estava na cozinha a preparar o jantar, abraçou-a e deu-lhe primeiro um beijo no pescoço, depois rodou-a e beijou-a calorosamente, um beijo tão intenso que a deixou desnorteada.

Ela olhou-o nos olhos e sorriu, como só ela sabia sorrir, com aquele sorriso maravilhoso que o apaixonara assim que a vira a primeira vez.

O mundo lá fora estava a ruir mas ali estava seguro, em casa, junto da sua mulher, às vezes queria tanto dizer-lhe tudo o que sentia de bom quando a abraçava, mas as palavras falhavam-lhe sempre nessas alturas, a voz embragava e não conseguia exprimir-se.

Sabia que teria de lhe contar a verdade, mas não queria dar-lhe mais uma preocupação, ela já tinha tanto em que pensar.

Nessa noite voltou a ter dificuldades em adormecer, Rui não sabia o que fazer, como salvar a empresa e especialmente como não deixar que isso afetasse o seu casamento. Adormeceu resoluto que tinha até ao final da semana para tomar uma decisão sobre a empresa e sexta independentemente da solução contaria tudo a Joana.

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