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Língua Afiada

Os meus filhos são mais inteligentes que os teus

Não gosto de começar textos com expressões como: no meu tempo, na minha altura, antigamente… não gosto, para além de me sentir uma idosa a fazê-lo, sinto-me como o velho do Restelo a resistir à mudança, só que há mudanças e mudanças.

 

No meu tempo, não é assim há muito tempo, as crianças tinham apenas um papel na escola – aprender – isso significava respeitar os professores, estudar e ter aproveitamento escolar e de preferência com boas notas, tirar más notas estava fora de questão, não era equacionável, tínhamos apenas uma responsabilidade sermos bons estudantes.

Não sei precisar quando se começou a premiar notas positivas, mas comecei a aperceber-me que os pais começaram a recompensar os filhos por terem aproveitamento escolar, sou a favor do reforço positivo, mas deve-se recompensar algo que é regra?

 

Premiar uma criança por tirar uma nota positiva não é o mesmo que premiar uma criança por dizer bom dia e boa noite?

Recompensar por algo que é expectável não é o mesmo que ensinar que quaisquer coisas que se façam bem serão alvo de recompensa?

 

Como se não bastassem estas recompensas, escolas e professores criaram outras formas de recompensa e valorização, diplomas e quadros de mérito e excelência, tudo serve para que as crianças se sintam motivas a tirar boas notas, mais uma vez, o que é que se espera de uma criança? Que se esforce e tire boas notas, sem que para isso figure num quadro ou obtenha um diploma, mas parece que há uma necessidade recorrente de mostrar o valor das crianças.

 

A pergunta é que se coloca é a seguinte:

Precisarão as crianças destes estímulos ou serão os pais que necessitam deles para se envolverem na vida escolar dos filhos?

 

No final do ano letivo de 2015/2016 foi um desfile de pautas nas redes sociais, pais e, maioritariamente, mães exibiram orgulhosos as notas dos filhos e divulgaram ao mundo o orgulho desmedido pela conclusão de mais uma etapa dos filhos, fosse ela apenas concluir o infantário. Agora, no fim do primeiro período do ano letivo 2016/2017, mostram-se testes e avaliações, tudo para enaltecer a suprema inteligência da prole.

 

É normal os pais sentirem orgulho com os feitos dos filhos, é sempre um deleite partilhar com eles as suas conquistas por mais pequenas que sejam, mas será normal e saudável os adultos gabarem-se e concorrerem entre si pelas conquistas dos filhos?

 

Não é, é absurdo e ridículo, em frações de segundos os pais passam a ser as crianças que discutem quem é que tem o filho mais inteligente, o mais calmo, o mais bem comportado, chegam ao cúmulo de debater a saúde dos filhos.

 

A lição que passa é que tudo é uma questão de competição, mas para além disso não basta que sejam os melhores é preciso mostrar ao mundo que são os melhores, enquanto se fomenta a competitividade, fomenta-se o stress, a ansiedade e a frustração, sentimentos com os quais nenhuma criança deveria lidar, as crianças naturalmente querem agradar os pais, não é preciso que os pais lhes coloquem fasquias ainda mais altas para lhes causarem mais stress.

 

Paralelamente há o alimentar do ego aos que conseguem o mérito e a excelência, a formatação da criança para ser especial, quando ela é apenas mais uma no meio de tantas crianças especiais, não são todas especiais cada uma à sua maneira?

Como se sentirá essa criança quando na vida adulta, ou ainda na adolescência, descobrir que afinal não é assim tão especial?

 

Tenham juízo, ter aproveitamento escolar é o que se espera de uma criança, mesmo que estes tirem boas notas a tudo, antes de acharem que têm um superdotado em casa passem pelo Facebook dos pais dos colegas de turma dos vossos filhos se calhar perceberão que os deles tiraram as mesmas notas, afinal é para isso que eles estão na escola horas intermináveis e depois ainda passam outras tantas em centros de estudos, a vida deles é estudar, às vezes até demais, é normal que tirem boas notas.

 

Gabem-se da felicidade dos vossos filhos e não das suas notas, afinal o que é mais importante na vida de uma criança é que ela seja imensamente feliz.

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