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Língua Afiada

Pedras da vida transformam-se em areia e pó.

Construímos castelos, muralhas, barreiras, verdadeiros monumentos colossais sob os rochedos da nossa personalidade com as sólidas pedras que cimentamos com as certezas que julgamos eternas.

Ao longo do tempo a nossa aldeia é fustigada por intempéries, noites de tempestade, dias tórridos, ventos frios do norte e tempestades de areia do sul.

Pedras caem, telhados levantam, abrem-se fendas nas paredes, estalam-se vidros, madeiras racham, mas a base sólida e firme aguenta-se estoicamente, reconstrói-se pedra sob pedra com o mesmo cimento das convicções de sempre.

Até um dia um forasteiro nos bate à porta, nos encanta com o seu sorriso e bem falar, deixamo-lo entrar, amigos nunca são demais, e todos gostamos de ouvir novas histórias e aventuras.

Um dia notamos uma fenda do alto da torre mais alta até à base, acorremos a cimenta-la, mas o cimento é fraco, não aguenta a torção e desfaz-se em pó. Começam a ruir pedras, primeiramente cai o telhado, depois a primeira torre, a mais alta, a mais orgulhosa, aquela que refletia o nosso espírito, está no chão arrasada.

Tentamos salvar o que podemos, mas a ruína das edificações é como uma peste, um cancro que se espalha a todos os edifícios.

A base abala-se, de sólida e forte passa a instável e fraca, não é capaz de sustentar nenhum dos edifícios, nem o mais simples e mais leve, todos estão a ruir. Abrem-se buracos no chão, escuros, densos e sem fundo à vista que sugam todas as certezas, todas as convicções, levam-nos a força e a vontade.

No meio da incompreensão da desgraça avistamos uma máquina infernal, aspira todas pedras que encontra, faz um ruído ensurdecedor, numa visão aterradora vemos a máquina a expelir areia e pó, a areia escorre pelas fendas, o pó dissipa-se na atmosfera.

Todo o nosso mundo está desfeito em areia e pó. Tudo o que julgávamos ser sólido e robusto é agora um punhado de areia e pó, todas as nossas convicções são abaladas, todas as certezas deixam de o ser, até a nossa personalidade fica despida e frágil, sentimos desnudados de convicções e a insegurança instala-se como um veneno que nos consume.

Fitamos a máquina infernal e vislumbramos um sorriso, é o forasteiro vitorioso satisfeito e feliz com a sua conquista.

 

Ao longo da nossa vida encontramos diversas britadeiras com nome e rosto, verdadeiras máquinas de destruição, más e cruéis, feitas de inveja e egoísmo, que chegam de soslaio, minam o terreno e depois esperam com toda a calma do mundo que tudo desabe.

É necessário ir ao mais âmago de nós, ao cerne, à nossa essência, para construirmos tudo de novo, não há restauro possível, não importa, não queremos reconstruir queremos edificar de raiz castelos mais fortes, mais baixos, mais reais, mais largos, assentes numa base maior e mais sólida, com uma vigilância mais cerrada e constante.

Da areia fazemos pedras e do pó cimento e erguemos uma fortaleza que ninguém consegue derrubar.

 

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