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Língua Afiada

Portugal – Injusto e desanimador

A Associação de Defesa dos Consumidores divulgou ontem dados sobre os salários dos gestores de topo e a disparidade salarial entre os restantes trabalhadores.

Pelo segundo ano consecutivo, o presidente da Comissão Executiva da Jerónimo Martins, Pedro Soares dos Santos, lidera a tabela dos principais gestores que mais ganham em relação à média dos salários dos restantes trabalhadores da empresa, rácio que passou de 90 para 130.

O gestor de topo mais bem pago por sua vez é António Mexia, que recebeu mais de dois milhões de euros, 49,5 mais em relação aos restantes trabalhadores da EDP.

Já tive oportunidade de falar sobre a disparidade salarial no Grupo Jerónimo Martins, assim como da disparidade entre o discurso de Alexandre Soares dos Santos e a realidade aqui.

Este é o caso mais flagrante, mas o rácio das empresas cotadas em bolsa, não é animador.

 

“Em média, este rácio foi de 25 vezes, ligeiramente inferior ao registado em 2015. A explicá-lo está o facto de o total das remunerações pagas aos CEO [presidentes executivos] em 2016 ter baixado 6,2% face a 2015, o que pode ser um bom sinal”, segundo a Deco.

25 vezes pode parecer uma distância curta entre o topo e a base depois de termos lido atrás sobre uma diferença de 130, mas na verdade 25 é um número redondo e grande, especialmente quando falamos da média e não da diferença entre o salário mais baixo e o do gestor de topo.

Um trabalhador que ganhe o ordenado mínimo vê esta discrepância escalar a uma velocidade abismal, Pedro Soares dos Santos recebe um vencimento de 1,269 milhões, ou seja, recebe 162 vezes mais do que um trabalhador que ganhe o ordenado mínimo.

Estes números milionários, que mais parecem prémios da Santa Casa da Misericórdia, fazem-me pensar o que andamos a fazer neste mundo.

 

Somos uma manada de operários a trabalhar por tostões a enriquecer pastores com milhões.

 

Não sejamos ingénuos, este mundo não é justo, duvido que alguma vez o será, mas Portugal faz parte dos países onde as injustiças são flagrantes, especialmente se pensarmos que estamos inseridos na União Europeia.

Portugal não é um bom país para viver, cada vez menos portugueses vivem, cada vez mais portugueses sobrevivem e a maioria vive na ilusão que Portugal é um país bom para se viver, temos um clima bom, uma gastronomia fantástica, cultura, monumentos, paisagens incríveis e diversificadas, segurança, temos tudo para sermos um país fantástico, menos dinheiro.

 

Não me refiro ao Estado falido, refiro-me às pessoas que vivem de bombas de oxigénio que não durarão para sempre, a bolha imobiliária está a inflamar novamente, não tardará a rebentar, os salários não sobem, mas o custo de vida aumenta consecutivamente todos os anos, vivemos dependentes de promoções e descontos para compramos tudo, os itens básicos como eletricidade, água e gás são dos mais altos da Europa e continuamos na nossa vidinha de sempre, encolhemos os ombros e dizemos – É a vida! É assim em todo lado! Lá fora trabalhamos de sol a sol! Ao menos aqui temos a família! Temos o bom tempo! É um país seguro!

 

O que temos em Portugal é uma tristeza, durante os últimos tempos tenho sido assolada pela ideia que todas as pessoas inteligentes saem deste país, um país que promove a mediocridade, que premeia a corrupção, que enaltece os ricos e esquece-se dos pobres.

Talvez esta ideia se tenha começado a infiltrar quando escrevi o texto – Os portugueses não têm dinheiro para filhos – comecei a fazer contas, olho para as poupanças e vejo-as estagnadas no banco, sem rendimentos, olho para o que ganho e pergunto-me como é possível ganhar menos agora do que quando entrei no mercado de trabalho? Como é possível ganhar menos agora do que há 9 anos atrás quando entrei nesta empresa?

 

Começo a pensar qual seria o valor razoável para levar uma vida de classe média e chego à conclusão que eu e a maioria das pessoas que conheço estão longe de pertencer à classe média, somos pobres, somos mais ricos que os pobres de há 50 anos, mas isso não faz com que sejamos ricos, embora muitos julguem que ter dinheiro para pagar as contas da casa, ter carro e conseguir fazer uma semana de férias os faça pertencer à classe média, não faz.

Ser da classe média pressupõe levar uma vida desafogada com pequenos luxos, permite constituir uma boa poupança e ter recursos para fazer face a imprevistos, não pressupõe fazer contas a tudo o que se gasta na esperança de no final do mês conseguir colocar algum dinheiro na conta poupança.

 

Sair de Portugal é a melhor solução, mas começo a ponderar todas as vantagens de estar aqui e acima de tudo penso na minha família, não quero constituir a minha família, longe da minha família, arrependo-me de só agora colocar esta hipótese, mas só agora é que a realidade me assombra as noites de uma forma cruelmente insistente.

Sinto-me revoltada sempre que leio notícias como esta dos salários de topo, reflito e chego à conclusão que ando revoltada a maioria dos dias com a realidade deste país, não consigo abstrair-me de tanta injustiça, de tanta corrupção, de tanta coisa que está mal, chego a questionar se haverá alguma coisa bem-feita neste país.

 

Porque não sais? Já me aconselharam várias vezes nos comentários a sair, escrevo tão mal de Portugal, o melhor seria sair.

Não saio porque amo o meu país, mais do que alguma vez julguei ser possível amar uma terra, talvez por isso não consiga ficar indiferente à sua destruição, talvez por isso me doa tanto vê-lo ser constantemente despedaçado.

 

Estas discrepâncias fazem-me perder a esperança, não prevejo um futuro risonho, prevejo-o triste e sinistro com os ricos a fugirem com o seu dinheiro e os pobres a ficarem para trás a pagarem para salvar o pouco que restará, mas já é sabido, quando o navio afunda os ratos são os primeiros a abandonar o barco.

Talvez ganhe coragem e me junte aos milhares de aventureiros que deixam Portugal à conquista de uma vida melhor antes que seja tarde demais para abandonar o navio e de me afundar com ele.

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