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Língua Afiada

Raríssimas, não é caso raro.

A reportagem da jornalista Ana Leal da TVI sobre a Instituição Raríssimas e o alegado uso de dinheiro indevidamente da sua presidente Paula Brito e Costa despertou nos portugueses uma verdadeira onda de indignação, não é que fossem surpreendidos por ser possível que alguém que dedica a sua vida a ajudar quem mais precisa seja no fundo um aldabrão, mas sim pelos requintes e detalhes da história, que revelam não só um pessoa sem valores morais como uma pessoa narcisista, egocêntrica e com a mania das grandezas.

O típico caso de deslumbramento, é preciso muita ética, muita responsabilidade, muita competência e retidão para lidar com tanto dinheiro, dinheiro que ninguém controla e fiscaliza, sem tentar tirar um quinhão, especialmente quando se tem pouco.

 

Acredito que Paula Brito e Costa tenha criado a associação por razões nobres e que se tenha empenhado em fazer a diferença, o seu passado leva-nos a pensar que assim foi, mas já diz o ditado que “ a ocasião faz o ladrão” e perante a possibilidade de ter uma vida regalada a tentação foi maior do que a sua inicialmente a sua nobreza ou terá sido a dor e o desespero que a motivaram, bem vistas as coisas alguém que obriga os seus funcionários a levantarem-se da cadeira cada vez que entra numa sala de nobre só tem os devaneios de ser de uma nobreza que só existe na sua própria cabeça.

Pessoalmente sinto-me defraudada, pois participei na decisão de lhe fazer chegar um donativo, recebemos inúmeros pedidos de ajuda, dói-me o coração cada vez que temos de responder que não podemos ajudar, há pessoas que nos contactam em desespero, mas não podemos atender a todos os pedidos, são demasiados.

 

As associações e instituições de solidariedade são importantíssimas para a sociedade, colmatam muitas vezes necessidades que o Estado não tem capacidade de suprir e embora muitas recebam fundos públicos, a maioria vive da generosidade de terceiros, mas não sejamos ingénuos todos sabemos que muitos donativos não chegam ao destino, há demasiadas pessoas que lucram sem escrúpulos nos bastidores da boa vontade, há toda uma cadeia de interesses e é muito fácil desviar dinheiro e bens que não são escrutinados e fiscalizados por ninguém.

Não é só quem gere os fundos que rouba, também há muitas pessoas que recorrem a instituições sem terem qualquer necessidade de o fazer, a única diferença é a escala, a mesquinhez e a falta de princípios é a mesma, ambas roubam descaradamente quem necessita de ajuda.

 

Após a reportagem a única atitude digna e honrada a ter seria apresentar a demissão, mas a presidente escolheu negar as acusações e ainda declarar que “Para o exercício da função de representação institucional da Instituição, é essencial uma imagem adequada da sua representante”, gostava muito que a presidente explicasse porque tem de usar um carro topo de gama, gastar uma fortuna em gambas e em roupas, será que o avantajado ordenado não era suficiente para se apresentar condignamente?

Parece que não, para pousar com primeiras-damas e rainhas é preciso trajar à rica, só a postura e os modos a denunciavam, já que não há dinheiro que compre postura, elegância e distinção, especialmente se for dinheiro indevido.

 

Os portugueses costumam indignar-se por muitas coisas insignificantes, escândalos menores engrandecidos pelas redes sociais, este não é de todo o caso, é bom que se fale, que se exija uma explicação, que tudo seja investigado e que daí se extraiam consequências, condenações e quem sabe jurisprudência e legislação para evitar casos semelhantes no futuro.

Não é por acaso que há tradição de mecenato e beneficência na classe alta, tendo-se nascido bem, tendo-se consciência que se é um privilegiado, há muito menos tentação de açambarcar o dinheiro destinado à caridade, não estivessem muitas deles a redimirem-se de serem afortunados, muitos sem que nada tivessem feito para isso acontecer.

 

Este não é com certeza um caso isolado, em Portugal há corrupção, fraude, enriquecimento ilícito por todo lado, desde a fatura sem IVA ao roubo descarado de milhões de euros, é preciso aproveitar esta consciencialização, esta revolta para mudarmos o panorama social, não podemos continuar a encarar a corrupção, a fraude o chico-espertismo como natural e normal, há que combater esta mentalidade e evoluir para uma sociedade mais justa e ética.

Poderíamos começar por deixar de apoiar políticos corruptos, seria especialmente bom se não os elegêssemos, uma vergonha, mas podemos também nós praticar a ética e começarmos a punir socialmente a corrupção, todos queremos ser aceites, ignorem, critiquem, enxovalhem se for preciso os pequenos corruptos que conhecem porque se ser corrupto é mau, gabar-se disso e ser aplaudido é mil vezes pior, é um reconhecimento, uma aceitação que não podemos de maneira nenhuma conceder-lhes.

 

A corrupção combate-se com ideais, com valores que devemos transmitir uns aos outros, fazendo com que alguém que seja corrupto se sinta profundamente envergonhado e acima de tudo abandonado, não há maior punição do que a pessoal e social, ninguém é feliz sozinho por mais dinheiro que possua.

Na próxima vez que tomem nota de um caso de corrupção, falem, denunciem, critiquem, envergonhem, não podemos deixar que fiquem impunes, faremos com que estas situações sejam realmente raríssimas.

 

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