Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Língua Afiada

Salto com duplo mortal carpado

Não sou ginasta, muito longe disso, o máximo que consigo fazer é dar uma cambalhota sem mãos e levantar-me, o que já é mais do que muitas crianças conseguem fazer, mas duplos mortais e saltos carpados não consigo fazer a não ser no sentido figurado, nesse a minha vida é um campeonato do mundo de ginástica onde ganho medalhas em quase todas as modalidades.

Sinto-me como tivesse dado esse salto com duplo mortal carpado e tivesse aterrado de cabeça e desde aí a vida ficou literalmente do avesso, com o mundo virado ao contrário, gostava muito de vos dizer que dei um passo importante na minha vida, que tomei uma decisão ousada, que fiz algo que sempre desejei fazer, que parti a louça toda, mas infelizmente este salto que não planeei tem pouco de vitória, de festejo ou de bom, foi apenas uma situação que não procurei e que agora me persegue.

 

É nestes momentos que percebo que o nosso modo de vida, a nossa forma de estar, as nossas relações, a nossa felicidade é tão ou mais frágil que a nossa própria vida, num segundo podemos partir, mas também num segundo a vida tal como a conhecemos muda e deixa marcas que não há tempo suficiente que apague.

Sou impaciente, mas sou benevolente, se explodo e me irrito facilmente, também facilmente encontro forma de me esquecer e seguir em frente, mas há limites, limites que se cruzados se abre um abismo tão grande que é impossível voltar atrás, quando as pessoas cruzam esse limite gostava de ter o poder de as eliminar totalmente sem vestígio ou lembrança da minha vida, mas infelizmente não é assim tão simples.

Fugir, escapar, esquecer, são as palavras que mais me assaltam a mente, bem sei que a distância não cura nada, mas pelo menos quando se está longe de tudo sente-se mais paz, mais tranquilidade.

 

Olho para a minha vida e não a reconheço, nunca tive grandes planos para ela, fui sempre vivendo e moldando-me às circunstâncias, se um dia, em tenra idade, sonhei com grandes coisas, a vivência dos anos ensinou-me que não estava destinada a elas e que a simplicidade condizia melhor comigo e com as minhas possibilidades, mudei, transformei-me, estou certa, numa pessoa melhor, mais equilibrada, centrada, menos pretensiosa, menos egoísta, mais terra a terra, mais prática e menos sonhadora.

Hoje, sinto saudades do meu antigo eu, que se sentia com forças para mudar o mundo, contra tudo e contra todos, que não se importava com a opinião de ninguém e que vivia bem com isso, um espírito rebelde e muito mais livre, sem filtros, sem artifícios, sem ponderações e sem comiserações, fazia o que queria e dizia o que pensava.

 

Enveredei pela diplomacia à custa dos dissabores de ser livre de pensamento e atos, a franqueza e a frontalidade roçam a má educação e podem ser inoportunas, aprendi de tal forma a lição que mudei, hoje, arrependo-me, pois se tivesse continuado fiel a mim própria não estaria agora nesta situação, pois o mal há muito que teria sido cortado pela raiz.

 

Começo a pensar em conceitos que sempre recusei em acreditar como o karma ou o destino, na verdade nesta vida (quase) ninguém tem o que merece, e raramente tem o que faz por merecer, a vida não é justa, não é fácil, todos temos problemas, a diferença é que algumas pessoas por mais situações complicadas que criem elas acabam por se resolver, enquanto outras por mais paz que procurem são presenteadas com imbróglios e dificuldades.

Não tenho por hábito queixar-me da vida a não ser aqui, mas mesmo neste espaço que é meu, privado e longe de olhares indiscretos não conto tudo e não me queixo realmente da minha vida, dos meus verdadeiros problemas, não coloco a nu os verdadeiros dramas da minha existência que fazem questionar-me e indagar sobre se terei feito algo para merecer os problemas que tenho.

 

Dei por mim a rezar, não por mim, mas por quem me fez mal, para que ganhe juízo e me esqueça, talvez assim consiga também eu esquecer.

Já nem lhe desejo mal, já não lhe desejo mais nada do que deixar-me viver a minha vida em paz, mas há pessoas que nasceram para fazer mal aos outros, cuja única missão na vida é dificultar a vida de quem os rodeia, o mais irónico é que ainda se consideram vítimas e por muitos são consideradas pobres coitadas que merecem compaixão.

Já não tenho compaixão, gostava de ter desprezo, mas ainda estou na fase da pena, certa que levará a um desapego tal que o único sentimento que residirá em mim será simplesmente indiferença.

 

Gostava de acreditar no ditado “Quem mal faz, a si o faz”, mas é apenas um dizer que nos tenta consolar, porque na verdade quem é verdadeiramente mau magoa muito mais as pessoas boas do que alguma vez se magoará a si próprio.

18 comentários

Comentar post