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Língua Afiada

Galp, que vergonha!

Todos os dias nos deparamos com condições de trabalho deploráveis, a exploração e a escravatura laboral não se esgotaram com o fim da austeridade, prolongaram-se e estão bem patentes em Portugal um pouco por toda a parte mais ou menos camufladas.

O último exemplo que tive foi durante este fim-de-semana quando resolvemos abastecer numa Galp Pay & Go, um posto aberto 24 h sem funcionários, onde é o cliente que realiza todo o processo desde o abastecimento ao pagamento, qual não é o nosso espanto quando percebemos que têm na bomba um funcionário colocado especificamente para explicar o funcionamento da máquina ao sol, ao vento, à chuva, sem sequer um chapéu, um banco ou cadeira, guarda-sol ou qualquer tipo de resguardo.

Uma pessoa ali em pé, provavelmente durante 8h, sem qualquer identificação a não ser uma t-shirt da Galp, sem um local para se proteger do sol, relembro que no sábado estavam 27 graus pouco depois da hora de almoço, nem um local para guardar uma garrafa de água ou lanche a pessoa tinha à sua disposição.

 

O mais absurdo é que no local se encontrava a antiga cabine de atendimento totalmente revista de vinil a fazer publicidade à comodidade da bomba, comodidade essa que a Galp não transpõe para os funcionários que contrata, que mesmo sendo temporários devem ter condições dignas para exercerem as suas funções.

Uma empresa que ganha milhões, que devido às novas tecnologias dispensou centenas de funcionários, não tem dinheiro para colocar um balcão, um stand up com guarda-sol para ter um funcionário? Será que retirar o vinil e voltar a coloca-lo posteriormente é assim um custo tão avultado para a Galp?

Ficamos revoltados e incomodados com a situação do funcionário, hoje é ele, amanhã podemos ser nós, um irmão, um filho, um amigo, não são condições de trabalho para ninguém.

Gostava muito que o responsável por esta política passasse um mês a desempenhar estas funções, de pé ao sol ou à chuva e ainda ter a nobreza que nos receber com um sorriso aberto, com uma simpatia e disponibilidades difíceis de encontrar nos dias de hoje.

 

A nossa vontade foi não abastecer ali, mas não tínhamos grande alternativa pois estávamos a caminho de um evento e o depósito estava já a reclamar, mas ficámos decidimos fazer algo para demonstrar a nossa indignação, o Moralez disse: - Tens de colocar isto no teu blog, eu irei escrever para a Galp.

Não podemos aceitar tudo o que nos impingem, até podem dizer que a pessoa estava lá porque quis, mas não sabemos que circunstâncias a levaram a aceitar o emprego, nem tão pouco sabemos se teria noção das condições de trabalho do local, pois quando pensamos numa bomba, pensamos sempre numa cabine de atendimento.

É lamentável que nos dias de hoje ainda existam pessoas capazes de colocar um trabalhador nestas condições. Vergonha Galp, uma grande vergonha.

Desaparecem os pássaros da Europa

Poderia estar a referir-me às pessoas, vejo cada vez mais pessoas desprovidas de asas que as possam fazer voar, os sonhos megalómanos acumulam-se como fosse possível formarem degraus até ao topo, mas a matéria, a consistência que faz alguém realmente voar está em vias de extinção, o cultivo da mente, do intelecto, do pensamento livre e da diferença desaparecem da sociedade na proporção que se perdem valores como empatia, solidariedade, amizade.

Refiro-me, no entanto, aos pássaros que nascem com asas e que a Humanidade invejou desde sempre pela sua capacidade de voar, pela liberdade, beleza e graciosidade, os pássaros que inspiraram e continuam a inspirar poetas, músicos, cientistas, arquitetos e engenheiros.

 

Os pássaros estão a desaparecer da Europa Ocidental, embora em Portugal não existam dados tão concretos como os apurados em França e Inglaterra, esta realidade é bem conhecida pelos ambientalistas e pelas pessoas que vivem ou visitam com frequência os meios rurais, pessoalmente já havia constatado que existem menos espécies e as que perduram existem em menor quantidade, até os pardais escasseiam nas manhãs de Primavera.

Os pássaros desaparecem porque destruímos a sua cadeia alimentar, sem insetos não há alimento para eles, continuamos a expurgar as nossas plantações, hortas e jardins de insetos, não nos importamos de ver borboletas e joaninhas, mas praticamente abominamos todos os outros, com eles desaparecem também os sapos, os ouriços-cacheiros e os insetos do topo da cadeia como libelinhas, escaravelhos e aranhas.

 

Os ecossistemas são frágeis e dependem das cadeias alimentares que neles existem, mexer na base da cadeia alimentar tem implicações até ao topo, neste caso até aos homens, mas continuamos a preferir esquecer essa realidade porque no curto-prazo o que interessa é produzir mais, mais rápido e mais bonito, a beleza e a perfeição das culturas é mais importante do que o seu sabor e os seus valores nutricionais.

A base de tudo é o lucro, a oferta e o desperdício, há cada vez mais desperdício de comida, o mundo está num desequilíbrio profundo, a comida abunda onde existe menos pessoas e escasseia nas zonas sobrepovoadas.

 

E os pássaros definham na Europa, um dia perscrutaremos o céu à procura de andorinhas e tudo o que veremos será ar, despedido, sozinho, o que será dos montes e vales, dos prados e dos rios sem pássaros a colorir a paisagem?

Estamos a ficar mais pobres em biodiversidade, beleza, sons, paisagem e estas notícias que nos deveriam fazer parar para pensar no rumo que a Natureza leva pelas nossas mãos passam pelos pingos da chuva, mesmo que essa chuva seja uma tempestade devastadora.

 

Um dia acordaremos e não reconheceremos esse mundo, um dia pensaremos estar num filme catastrófico no futuro, esfregando os olhos perceberemos que afinal estamos no presente.

Não aponte o dedo Alexandre Soares dos Santos

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Por entre os pingos da chuva passam imensas notícias, algumas sem grande relevância, outras importantíssimas que são relegadas para segundo plano, outras verdadeiras pérolas que valem a pena serem escrutinadas.

O discurso de Alexandre Soares dos Santos durante a conferência da revista Exame é uma delas.

O patrão da Jerónimo Martins fez no mesmo discurso as seguintes afirmações:

 

“o que se paga a um reitor e aos professores é uma vergonha"

 

"Esta história de que um salário de cinco mil euros, ou uma pensão de quatro mil, é milionário... por amor de Deus, vamos acabar com isso"

 

"Uma empresa que não tenha recursos humanos competentes está simplesmente condenada a não avançar. O recurso humano para mim é mais importante que o capital."

 

Não poderia concordar mais com ele, é realmente vergonhoso que em Portugal se considere um salário de cinco mil euros milionário, embora seja cinco vezes mil euros, com o custo de vida atual quem aufere 5000€ por mês não é decididamente milionário, 60.000€/ano não pode ser considerado uma fortuna quando o prémio mínimo do euromilhões é de 17 milhões de euros.

 

Alexandre Soares dos Santos acha que os reitores mereciam ganhar mais dinheiro, não vejo mal nenhum nisso, é um cargo importante, não sei é se ele tem noção que para aumentarem os ordenados dos reitores teriam de aumentar todos os ordenados da função pública equivalentes… O que obrigaria a aumentar as categorias superiores e seria uma questão de tempo até existir um aumento generalizado.

 

Aumento generalizado para todos, qual é problema disso? Nenhum, não é a Jerónimo Martins a pagar, seriam todos os portugueses, inclusive os que receberiam aumento.

No entanto, a declaração que eu mais gosto e mais concordo é sobre a valorização dos recursos humanos, não poderíamos estar mais sintonizados, os recursos humanos são sem dúvida o maior capital de uma empresa seja pública ou privada, uma empresa sem funcionários competentes e motivados está condenada a não avançar, não tenho dúvidas disso.

 

O que é estranho é que os funcionários de empresas do grupo estejam constantemente a reivindicar aumentos de salários, em Agosto de 2016 o CESP (Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal) disse em comunicado não aceitar que a direção da empresa Pingo Doce:

 

“não valorize a experiência e a qualificação dos trabalhadores”.

 

Segundo a mesma notícia os operadores de supermercado de 2ª categoria auferem salários entre os 540 e os 550 euros; os operadores de supermercado de 1ª categoria auferem entre 545 e 570 euros; e os operadores de supermercado especializados (com mais de oito anos de serviço) recebem salários entre os 586 e os 630 euros.

Claramente que quem paga a um trabalhador com 8 anos de serviço um salário de 630€ valoriza os recursos humanos, se não valorizasse iria pagar-lhe quanto? O salário mínimo?

Foram muitas as exigências do sindicado mas a que vem mais a propósito foi exigirem que os lucros da empresa se refletissem no aumento de salários, no primeiro trimestre de 2016 o Pingo Doce viu os seus resultados líquidos subirem de 65 para 77 milhões de euros, seria mais do que justo que os trabalhadores fossem premiados pelo aumento dos lucros, seria a valorização e a motivação que necessitavam para continuarem o bom trabalho.

Ainda na mesma conferência Alexandre Soares dos Santos afirmou:

 

“No Algarve este ano, o Pingo Doce chegou a fazer propaganda na rádio para ter pessoas para trabalhar”, exemplificou. “Fomos ao Instituto do Desemprego, mandaram-nos 90 pessoas, dessas 90 apareceram seis e dos seis nenhum quis trabalhar. E foram todos novamente para o desemprego. Se tinham trabalho e não queriam trabalhar não tinham que ir para o desemprego.”

 

Fica no ar que tipo de proposta de emprego estariam a oferecer?

Mas com certeza que deveriam ser salários que valorizam os recursos humanos, não poderia ser de outra forma, as pessoas que não compareceram é que não perceberam bem a proposta.

 

O CEO da Jerónimo Martins apenas ganha mais 90% que a média dos trabalhadores do grupo, Pedro Soares dos Santos recebeu 865.660 euros em 2016, enquanto os funcionários do grupo Jerónimo Martins ganham, em média, 9.589 euros.

De notar que os 9.589€ são a média, não os que ganham menos.

 

Senhor Alexandre Soares dos Santos acha mesmo que tem alguma moral para vir falar dos salários de alguma classe profissional?

Por acaso acha que tem alguma credibilidade quando diz que o recurso humano é mais importante que o capital?

Acha que sim? Se assim é, porque não pega nesse capital que desvaloriza e distribui pelos recursos humanos que tanto valoriza?

Já agora, se está tão preocupado com os ordenados dos trabalhadores do Estado porque não começa a pagar impostos em Portugal para dar mais dinheiro ao Estado Português?

Eu gostava de entender o que o motiva a fazer um discurso destes? Não tem uma assessora de imprensa ou uma gestora de relações públicas que lhe prepare os discursos e o informe do que deve ou não dizer?

Se quiser posso rever-lhe os discursos, é claro que tem me remunerar em conformidade com as funções, não é fácil encontrar temas e ideais para que defenda, é que com tantos telhados de vidro é necessário esconder todas as pedras não vá uma, duas ou várias fazerem ricochete.

Há dias que de manhã, durante a tarde e quando chega à noite mais valia estar calado.

Quer mesmo que os seus funcionários não achem que 5000€ é um salário milionário?

 

Pense duas vezes antes de apontar o dedo, melhor pense duas vezes antes de discursar sobre seja o que for.

 

Foto: Notícia Expresso