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Língua Afiada

O ato egoísta de prolongar a vida

Daniel respirava com dificuldade em silêncio, não tinha energia para falar, estava a maioria das vezes com os olhos fechados, manter as pálpebras abertas era um esforço herculano.

Elsa permanecia dia e noite a seu lado, humedecia-lhe os lábios secos, lia-lhe todas as manhãs as notícias e passagens de um dos seus livros favoritos à tarde, contava-lhe todos os dias as novidades da família e dos amigos.

Penteava-lhe o cabelo, fazia-lhe a barba, cortava-lhe as unhas, nutria-lhe a pele para que não ganhasse chagas e alimentava-o, recusava que fossem as enfermeiras a dar-lhe de comer, era sempre ela, sua mulher, ninguém o fazia com mais carinho e dedicação que ela, nem mesmo a sogra que contava com a experiência do passado.

Nos breves momentos em que adormecia, Elsa acordava sobressaltada com dois pesadelos, umas vezes revivia o fatídico dia em que Daniel lhe disse – "Meu amor tens de ser forte… Estou gravemente doente, não teremos muito tempo juntos… Estou, estou a morrer."

Outras vezes sonhava que uma qualquer emergência a tinha feito sair do lado de Daniel e que no seu regresso o tinha encontrado sem vida, sem direito a despedida.

 

Tinham passado três meses desde o diagnóstico, cancro do pâncreas, estágio IV com metástases em vários órgãos, o diagnóstico era devastador, inoperável, restavam como opções a radioterapia e a quimioterapia, esperança de vida três a seis meses.

Três meses decorreram e apesar dos tratamentos não existiam quaisquer melhorias, Elsa sentia-se angustiada, temia que Daniel morresse a qualquer hora e sentia-se perdida, não estava preparada para ver o amor da sua vida partir, precisava de mais tempo, de muito mais tempo para se despedir, para conseguir equacionar a sua vida sem ele.

Daniel piorou, tinha dores lancinantes por todo o corpo, não tinha apetite e sofria de dispulia, cada vez sentia mais dificuldade em respirar e tinha de recorrer à botija de oxigénio cada vez com mais frequência.

 

Numa manhã solarenga de Junho, Daniel acordou e a custo abriu os olhos, diante de si estava uma sombra de Elsa, uma sombra do que ela haveria sido, magra, enrugada, parecia que tinha envelhecido vinte anos em três meses, mas continuava bonita, dormia profundamente, esgotada depois de ter estado acordada até às cinco da madrugada a cuidar dele, tinha sido umas das noites mais difíceis desde o seu internamento.

 

Elsa acordou e sorriu ao ver o olhar embebecido do marido, o sorriso iluminou-lhe o rosto enquanto disse:

– Bom dia meu amor!

– Bom dia minha vida! Preciso de falar contigo. Precisamos de ter uma conversa séria sobre a minha morte.

– Contra a minha vontade já decidimos tudo, apesar de achar que foi demasiado precoce decidirmos todos esses detalhes, fi-lo porque sei que é importante para ti, pensei que tínhamos acordado que depois de tudo decidido nos iríamos focar na cura e não na doença.

– Elsa, meu amor, estou a morrer! Minha querida não há ilusões é uma questão de tempo até que o meu corpo dê de si.

 

Elsa contendo as lágrimas a custo:  – Não podes pensar assim, o principal fator de cura para o cancro é acreditar na cura, a nossa mente é poderosa, a esperança é sempre a última a morrer.

- A minha esperança morreu no dia em que recebi o diagnóstico. Recusaste-te a aceitar, aceitei fazer os tratamentos por ti e pela minha mãe, mas não há mais nada a fazer, estou a morrer, morrerei em breve e a única coisa que posso mudar é a forma como o farei.

- O que queres dizer com isso Daniel? Pergunta Elsa surpreendida e assustada.

- Não quero morrer aos poucos, não quero definhar até perder a consciência, não quero sofrer mais e acima de tudo não quero que tu sofras mais. Quero morrer enquanto tenho dignidade e consciência e… quero que me ajudes, sozinho não consigo.

- Estás doido!? Queres que te ajude a morrer? Como queres que eu seja capaz de te ajudar a morrer se te amo mais do que a própria vida? Não consigo... Disse Elsa já com as lágrimas a cobrirem-lhe o rosto.

- Precisamente porque me amas e queres o melhor para mim é que me vais ajudar. Ninguém precisa de saber, será o nosso último segredo, se me amas irás conceder-me este último desejo.

- Não, não sou capaz, não consigo...

- Restam-me poucos dias bons, sei disso e quero morrer num dia bom, o Ricardo conseguiu arranjar a droga, mas eu quero que estejas presente, quero que estejas a meu lado.

- Não, és doido, falarei com o médico, a partir de hoje o Ricardo nunca mais te visita.

- Elsa por favor reconsidera, tenho direito a morrer quando quero, é a única coisa que me resta. Por favor…

 

Elsa proibibiu o melhor amigo de Daniel, de o visitar, ameaçou que se ousasse visita-lo faria uma denúncia às autoridades.

Daniel tentou por várias vezes convencê-la que era um ato de amor e de misericórdia, ela nunca acedeu ao seu pedido.

Uns dias depois Elsa é chamada de emergência ao trabalho, uma crise que exigia a sua presença, preparava-se para sair do hospital quando Daniel a trava.

- Elsa, meu amor quero que saibas que és a coisa mais importante da minha vida, que te amarei para sempre e estarei olharei sempre por ti. Quando partir quero que sigas a tua vida, quero que sejas feliz e que vivas a dobrar por ti e por mim.

- Eu sei meu amor, mas não pensemos nisso agora, estarei ausente apenas por um par de horar e logo estarei aqui para cuidar de ti.

Elsa dá-lhe um beijo carregado de amor e ternura.

- Adeus meu amor!

- Até já meu amor!

- Adeus!

 

Elsa julgou ouvi-lo dizer mais qualquer coisa, mas não conseguiu perceber o quê.

Precisamente duas horas depois Elsa entra no quarto e vê o quarto cheio de familiares e amigos.

- Tentamos ligar-te mas não atendeste…

 

Elsa caiu num choro desesperado ao perceber que Daniel estava morto, agarrou-o, sacudiu-o na esperança de encontrar ainda vida no seu corpo inerte.

- Porquê? Porquê? Eu deveria ter estado aqui.

- Ele tentou resistir até regressares, ele lutou mas não conseguiu.

 

….

Um ano depois, à saída da igreja Ricardo interpela Elsa.

- Tenho algo para te dar.

- Não quero nada que venha de ti. És um assassino, eu sei que ajudaste o Daniel a morrer.

- O Daniel pediu-me para te entregar esta carta.

Elsa engoliu em seco, as lágrimas saltaram-lhe dos olhos. Agarrou no envelope e sem proferir uma única palavra entrou no carro, conduziu até um dos seus locais favoritos, uma falésia com vista para o mar. Respirou fundo e abriu a carta.

 

“Elsa, meu amor, minha vida,

Parti, parti com consciência, nos meus termos, feliz e rodeado de amor, comigo levo o teu amor, o teu carinho, a tua dedicação.

Perdoa-me mas não consegui aguentar mais ver-te sofrer daquela forma, matava-me por dentro, era demasiado peso para mim, doía-me mais do que as dores lancinantes do cancro.

Perdoa o Ricardo, ele sempre foi um bom amigo e quando a minha mãe lhe pediu que me ajudasse ele não hesitou, prontificou-se a ser ele a ter a responsabilidade, tentou demover-me a falar contigo, sabia que não irias concordar, mas eu queria a tua aprovação.

Não te culpo por me quereres todo o tempo que conseguisses a teu lado, sei que nada mais era do que amor.

Nada mais te desejo do que felicidade, como te disse na última vez que te vi, vive, vive a dobrar por ti e por mim.

Amar-te-ei por toda a eternidade e velarei sempre por ti.

Para sempre teu.

Daniel.”

 

Elsa chorava e gritava, não de dor, mas de raiva, por ter sido tão egoísta, um egoísmo que lhe custou não estar ao lado de Daniel no momento da sua partida.

Subitamente Elsa conseguiu decifrar as últimas palavras de Daniel quando deixava o quarto de hospital.

Até sempre meu amor

 

Tinham sido essas as últimas palavras de Daniel.

 

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Não pedimos para nascer.

A maioria de nós não faz ideia de quando a morte nos baterá à porta.

Quando sabemos que a morte está à espreita com que direito nos negam a vontade de a encontrar mais cedo e finalmente descansar?

Fragmentos #2 - Os desenhos de Catarina - Capítulo I

Catarina recorda-se de ser diferente desde sempre, lembra-se de como as pessoas ficavam surpreendidas ao ouvir o seu nome e de olharem os seus pais de forma estranha.

Desde de muito pequeno Catarina gostava de brinquedos diferentes, o seu amigo Alex não conseguia entender o motivo de ele não gostar de brincar com blocos de construção e plasticinas, Catarina gostava de desenhar e desenhava sempre uns desenhos estranhos que os amigos não conseguiam compreender.

 

Quando Catarina tinha 11 anos os seus pais foram chamados à escola, o professor relatou-lhes que o filho teria chocado os colegas com desenhos proibidos e que teria de denunciar o caso às autoridades.

- Talvez a culpa seja do nome. - Diz o professor.

O nome Catarina está aprovado na lista de nomes, não é um nome proibido. – Diz o pai y cerrando os punhos.

- Sabem que o Governo teve de alargar a lista de nomes, mas Catarina é um nome muito identificativo na minha modesta opinião.

- O nome é legal, por isso não fizemos nada de errado.

- Mas sabem que Catarina tem andado a desenhar objetos proibidos? E que incentiva as crianças a fazerem brincadeiras proibidas? – Questiona o professor.

Pai y – O nosso filho é criativo, sempre foi, não fizemos nada para incentivar isso na sua personalidade.

- Agora não há nada que possam fazer o caso já foi denunciado, serão chamados a depor, deverão receber a intimação amanhã.

- Chamei-os apenas para não serem apanhados de surpresa.

 

Eli e Dani saíram desolados da reunião, sem saber o que fazer, Catarina tinha sido o nome escolhido pelo bisavó x que antes de morrer manifestou o desejo que o bebé se chamasse Catarina e como o nome tinha sido recentemente aprovado não haviam visto mal nenhum em fazer-lhe a vontade.

No dia seguinte, como vaticinado pelo professor, receberam a intimação para comparecem no próprio dia no Tribunal da Igualdade e da Assexualidade.

Apresentaram-se à hora marcada no balção Defeitos de Assexualidade em Menores, estremeceram ao ler o nome tal como tinha acontecido no dia anterior.

Foram encaminhados para a sala de espera onde aguardaram juntamente com outros pais, todos tinham a mesma expressão cravada no rosto, um misto de receio e inquietude.

- Srs. Eli e Dani façam favor de me acompanhar.

Entraram na sala de audiência, era uma sala pequena onde estavam apenas o Juiz, um médico e um psicólogo.

- Façam o favor de se sentarem - Diz o Juiz.

- A denúncia que recebemos é deveras preocupante. – Continua o Juiz arqueando as sobrancelhas.

- Segundo o professor o vosso filho não só desenha objetos proibidos como relata a sua história e incita os colegas a recria-la.

- Têm incentivado este comportamento?

- Não Magnânima Autoridade Suprema. Nunca incentivamos o nosso filho a ter esse comportamento.

- Compreendo. Se assim é nada têm a temer. Ele partilha o vosso material genético ou tem algum material do Banco do Genoma Humano?

- Partilha o nosso material, não foi necessário recorrer ao banco.

- E vocês partilham o ADN dos vossos pais ou do Banco? E os vossos avós? Sabem esta informação ou é necessário pedir o levantamento do histórico familiar?

- Não há necessidade. – Diz o pai y. - Nós realizamos esse levantamento para a conceção do Catarina, até à geração dos nossos bisavós não foi introduzido nenhum ADN do banco. Anteriormente como sabe essa questão não se colocava.

- O vosso filho teve contacto com alguém da última Geração Natural?

- Não, quando nasceu um dos bisavôs encontrava-se vivo mas morreu ele ainda era um bebé de meses.

- O vosso caso é realmente extraordinário, não tenho conhecimento que existam muitos bebés da 4º Geração Gema que tenham um histórico de ADN sem intervenção do Banco do Genoma Humano. – Batendo com os dedos na secretária.

- Dr. Isi acha que isto poderá ter interferência na deficiência da criança? – Pergunta dirigindo-se ao médico presente especializado em procriação artificial.

- Não, sabemos que com a educação certa, as crianças não têm espontaneamente este tipo de comportamento, algum fator externo o deve ter despoletado.

- Temos aqui um caso delicado, como sabem, temos tido um grupo de loucos que querem destruir a ordem e a paz, autoproclamam-se Os Natura e querem abolir os novos métodos reprodutivos e restaurar, perdoem-me por o dizer em voz alta, a separação dos sexos.

- Sabemos que esse grupo tem tentado reproduzir-se de forma natural e tem procurado manter-se fora do Banco do Genoma Humano. – Perdoem-me mas tenho de perguntar, pertencem a esse grupo?

- Claro que não, recorremos à procriação artificial, apenas não houve necessidade de o bebé ter ADN diferente do nosso.

- Mas sabem que há aqui um padrão, há 3 gerações que as pessoas de ambas as famílias têm conseguido procriar sem ADN do banco, têm de concordar que é muita coincidência.

- Mas é isso mesmo, apenas uma coincidência.

- Perdoem-me a interrupção. – Diz Dr. Francis, o psicólogo destacado para o caso.

- Os pais não revelam sinais de estarem a mentir. Talvez a criança tenha tido contacto com algum objeto, livro, filme que tenha despertado esse instinto nela.

- Em casa não temos nenhum item da lista proibida. – Diz rapidamente o pai x. – Não vejo como Catarina possa ter tido contacto com isso.

- Sabemos que andam a recrutar crianças e pelo histórico do Catarina, podem tê-lo escolhido.

- Teremos de interrogar e estudar a criança. – Conclui o Juiz.

- É mesmo necessário? Conseguimos educa-lo em casa para que isto não volte a acontecer. – Diz o pai y.

- Impossível. Devem preparar-lhe uma mala de roupa suficiente para um mês e entrega-lo aqui amanhã de manhã às 8h.

 

Engoliram ambos em seco sabiam que isso significaria que o seu filho iria ser estudado, interrogado à exaustão para perceberem o motivo do desvio comportamental, deveriam ter estado mais atentos, deveriam ter-lhe explicado que não podia fazer aqueles desenhos na escola.

Chegaram a casa e ficaram horrorizados, toda a casa tinha sido vasculhada, inspecionaram tudo até ao mais ínfimo detalhe. Eli desata a chorar, Dani tenta reconforta-lo em vão.

- Dani devem ter encontrado as roupas de Catarina, as roupas proibidas. - Diz Eli em pánico.

Dani corre ao intercomunicador e digita o número da câmara da escola, era hora da aula de matemática aplicada, perscruta o espaço à procura do filho e nada, recua para a aula de física, não havia sinal de Catarina, recua para a aula de Química quântica e vê o filho a ser retirado da sala de aula pela polícia especial do genoma, conseguiu visualizar o registo mesmo antes de receber no ecrã a informação, o vídeo que procura não se encontra disponível.

Quem conta um conto #8 - À tua espera - Parte XI

Duvido que não conheçam ainda as aventuras e desventuras da Ísis, se não conhecem não sabem aquilo que estão a perder, têm de ir já ler os últimos capítulos e depois voltem aqui.

 

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Chovia violentamente em Lisboa naquela manhã de Fevereiro, no aeroporto André pensava que a sua vida estava desgraçada, tinha abandonado o amor da sua vida por uma mulher que tinha o traído e aproveitado da sua boa vontade. Partia de Lisboa com o coração despedaço desejando nunca mais regressar.

Em Paris os dias foram-se tornando menos cinzentos à medida que retomava o contacto com amigos e conhecidos e com a galeria de arte, o seu grande projeto, tinha deixado a sua gestão a uma boa amiga e os negócios corriam de feição, André facilmente se inteirou de tudo e rapidamente foi absorvido pelo seu sonho.

Nem queria acreditar quando olhou para o visor do telemóvel e viu o número da irmã de Maria, o que quereria agora?

- Sim? Raquel não …

- André houve com calma, a minha, a minha irmã faleceu…

- A Maria morreu? Como? Quando?

- Hoje de manhã André, sentiu-se mal foi levada de imediato para o hospital, mas não havia nada a fazer, teve uma hemorragia interna, não houve nada que os médicos pudessem fazer.

- Parto para Lisboa assim que tiver voo disponível, possivelmente só amanhã…

André tinha a irmã Sara, a única pessoa da família com quem tinha mantido o contacto, à sua espera. Abraçaram-se e ambos choraram.

- André tens de te preparar para enfrentares os nossos pais e os pais da Maria, toda a gente está contra ti, os pais da Maria culpam-te, não querem aceitar a morte da filha.

- Mas se foi uma hemorragia que culpa tenho eu?

- Nenhuma eu sei, mas as coisas estão complicadas.

Foi mal recebido pelas duas famílias a sua e da Maria, que tentou mesmo impedi-lo de ver a bebé. André poderia ter aproveitado para contar a verdade, mas honrou a sua decisão e aguentou a fúria dos ex-sogros, dos pais e do irmão, tudo para que Maria, agora morta, não tivesse a sua imagem denegrida. Não fazia ideia quem era o pai da criança, apenas que era casado, não podia confiar nele, e também não podia confiar nos pais de Maria, uns burgueses caquéticos e retrógradas, não sabia o que fazer.

Assim que Raquel lhe entregou aquela bebé de olhos ternos e feições tão angelicais não teve dúvidas, mesmo não sendo da sua filha, aquele rosto seria a sua razão de viver.

Depois de um grande alvoroço e para desgosto dos avós, André partiu de Lisboa com a filha nos braços, a lei estava do seu lado.

 

*

As complicações pós-parto de Ísis levaram-na ao coma, não se sabia se iria recuperar o prognóstico era reservado.

Entretanto, Ricardo tinha assumido o papel de pai de Dinis e o papel de marido tomando todas as diligências. Laura, a irmã mais nova de Ísis que antecipou a sua ida para Londres por causa do estado de saúde da irmã estranhou a sua presença, mas Ricardo sossegara-a dizendo que antes da complicação ele e Ísis teriam chegado a um entendimento.

*

Ísis começou por ouvir uns sons estranhos, sentiu depois o corpo dormente, a boca seca, abriu os olhos e percebeu que estava num quarto de hospital, demorou uns segundos a recordar-se do que tinha sucedido.

Entretanto Ricardo apercebeu-se que tinha despertado.

- Ísis meu amor. Consegues ouvir-me?

- Ricardo… Onde está o meu filho? O que aconteceu?

- Calma meu amor, tiveste uma complicação pós-parto, tiveram de te operar, fizeste uma paragem cardiorrespiratória durante a operação e entraste em coma.

- Em coma? Quanto tempo? Onde está o Dinis?

- Está na nossa casa com a tua irmã Laura, ele está bem, estamos a cuidar bem dele.

- Na nossa casa? Ricardo não estou a entender nada.

- Calma. Disse-lhe afagando-lhe o rosto com ternura.

- Aluguei um apartamento mais espaçoso, o teu era demasiado pequeno, a Laura tem-me ajudado a cuidar do Dinis, tem sido acompanhado e é um bebé feliz e saudável.

- Mas Ricardo, eu não sei se ele é teu filho ou do A…

Ricardo calou-lhe a boca com um beijo.

- Ísis fiz contas e é muito improvável que o filho seja do André, mas mesmo que seja eu não quero saber.

- O André deixou a Maria com um bebé recém-nascido nos braços e fugiu para Paris, regressou apenas para levar a filha depois do falecimento de Maria, cortou relações com a família e isolou-se, queres mesmo que ele seja o pai do teu filho?

- A Maria morreu? Como? O André abandonou a filha e depois levou-a com ele? Isso não faz sentido nenhum.

- Ísis a vida e as atitudes do meu irmão nunca fizeram sentido nenhum para ninguém, ele é muito impulsivo e emocional, não podes confiar nele.

- Já disse a todos que o filho é meu, já o registei como meu, por favor não me tires esta dádiva. Deixa-me fazer-te feliz. Podemos ser felizes os três.

- Preciso pensar Ricardo, isto é demasiada informação, quero ver o meu filho.

 - Vou pedir a Laura que o traga.

Ísis não sabia o que fazer, não gostava da atitude de Ricardo mas a verdade é que ele tomou as rédeas da situação, não a abandonou, nunca o fez, por outro lado André estava sozinho agora, poderiam ser felizes, mas ela necessitava de segurança não para si mas para o seu filho, Ricardo fazia sentir segura.

As suas dúvidas dissiparam-se quando viu como Ricardo cuidava, mimava e amava Dinis, o seu coração de mãe falou mais alto e consciente que estava a colocar a felicidade dos outros acima da sua concordou com Ricardo.

- Ricardo eu não sei se algum dia amar-te-ei verdadeiramente, mas prometo fazer os possíveis para te fazer feliz, serei uma esposa dedicada.

- Ísis fazes de mim o homem mais feliz do mundo prometo que seremos felizes.

Casaram-se em Setembro desse ano numa cerimónia intimista na quinta da família, mas continuaram a residir em Londres, visitando a família no Natal e no Verão.

 

*

O casamento corria bem, poder-se-ia dizer que eram um casal feliz, mas Ísis vivia angustiada, aquela incerteza moía-lhe o espírito, o Dinis quatro anos quando decidiu fazer o teste de ADN, não contou a ninguém, foi buscar pessoalmente a carta com o resultado à clinica, mas não foi capaz de a abrir aguardou pela noite e quando Ricardo e Dinis dormiam profundamente sentou-se diante da lareira, respirou fundo e abriu. Esboçou um sorriso, atirou a carta no fogo e deixou-se ficar por longos minutos a contemplar as chamas.

 

*

Os primeiros anos decorreram com normalidade, Ísis manteve a sua promessa e foi sempre uma esposa dedicada, mas Ricardo com o passar do tempo ficou cada vez mais distante, Ísis estava impedida de ter mais filhos, não podendo dar-lhe a família grande que tanto desejava, sentia-se amado pela metade, incompleto, começou a duvidar se teria tomado a decisão acertada.

O seu casamento era mantido pelo amor imensurável que sentia por Dinis, mas Dinis, agora com 18 anos, estudava fora do país e a casa estava irremediavelmente vazia. Ricardo começou a dar cada vez menos atenção a Ísis, passava muitas noites fora e viaja sozinho, Ísis não se incomodava e quanto menos ela se incomodava mais Ricardo se sentia ferido.

 

Como terá sido a vida de André?

Será que Ricardo irá manter a promessa?

Afinal quem é o pai de Dinis?

Não percam os próximos episódios porque nós também não.

 

Cara Mula já tens trabalho para o fim-de-semana.