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Língua Afiada

A nobre arte de não fazer nada e parecer muito ocupado

Há uma espécie de trabalhadores que é exímia em não fazer nada e ao mesmo tempo parecer essencial e vital para o funcionamento das empresas, digo-vos é uma arte, uma arte que não está ao alcance de todos, pois é muito difícil de executar e especialmente de sustentar ao longo do tempo.

Parecer ocupado sem realmente o estar é relativamente fácil, difícil é mesmo ocupar-se de modo a parecer que se está a trabalhar, não é fácil estar dias seguidos num escritório sem apresentar um único trabalho, é preciso ocupar o tempo de alguma forma e ter sempre um backup para apresentar trabalho caso alguém questione.

 

Em conversas com colegas a questão é sempre a mesma: Como é que ninguém das chefias percebe este comportamento? É realmente estranho que ninguém perceba que na empresa existem pessoas que praticamente não fazem nada durante o mês e que em alguns dias não fazem literalmente e rigorosamente nada.

Tanto perguntaram que comecei a analisar o comportamento dessas pessoas e existe realmente um padrão, e surpresa das surpresas não é nada de surpreendente, vejamos então em que assenta a sua estratégia.

 

- Cara compenetrada e séria em frente ao PC, uma expressão a roçar a má disposição, de quem está atolado até aos olhos em trabalho;

- Responder aos colegas que se está com muito trabalho e por isso não executar de imediato o lhes é pedido;

- Responder às chefias que irá parar de imediato o que está a fazer para executar prontamente o que lhe pedem;

- Em conversas dar a entender o quão importante é a sua função na empresa, de preferência referir que não há mais ninguém capaz de realizar o seu trabalho;

- Travar amizades no trabalho, especialmente com os chefes e levar essas amizades para a esfera pessoal;

- Resolver problemas pessoais dos colegas e especialmente dos chefes, uma pessoa prestável e disponível é sempre bem vista;

- Escolher conscientemente as amizades no local do trabalho, importa agradar aos chefes, mas também aos colegas que lhes guardam as costas e que imagine-se até os ajudam no trabalho quando reclamam que estão sobrecarregados;

- Estar atento a todas as conversas e ter sempre uma sugestão para o trabalho dos outros, mostrar-se muito interessado e entendido, mesmo que não perceba nada do assunto;

- Sair mais tarde que os colegas, mesmo que se tenha atrasado de manhã, fica sempre bem ser visto a sair depois da hora.

O maior problema é conseguir manter esta ilusão por muito tempo, porque há imensa probabilidade de acontecerem duas coisas:

- O encostado encosta-se tanto e fica numa posição tão confortável que começa a dar nas vistas e quando lhe é pedido um trabalho não tem capacidade de resposta.

- Os colegas que mais tarde ou mais cedo percebem a situação e começam a comentar uns com os outros, pode acontecer uma de suas situações ou fazem queixa às chefias ou desmotivam e passam eles também a trabalhar menos.

 

A empresa fica sempre a perder, para quem percebe a situação a revolta e a desmotivação podem ser de tal forma incomodativas que podem alterar o seu humor e o seu trabalho, inevitavelmente irar-se-á criar mau ambiente, fazer queixa e comparações com os colegas não se revela boa opção, até porque teremos de lutar contra a imagem perfeita que o colega levou anos a contruir sustentada muitas vezes por uma amizade com o chefe, as opções que nos restam são conviver com a situação ou mudar de emprego.

 

Antes de mandarmos tudo às urtigas e colocarmos em risco a nossa carreira por causa de um colega incompetente, o melhor é fazermos exatamente o oposto, trabalhar com afinco, demonstrar dedicação, apresentar trabalho e falar desse trabalho.

Quando se cria o hábito de dizer e expor o que se tem feito, tudo fundamentado com provas da sua execução, chegará uma altura em que será percetível que esse colega não tem realmente nada a apresentar e que a sua função não é na verdade tão essencial e importante como ele fez parecer.

Muitas vezes os chefes e diretores têm as listas de tarefas dos colaboradores, mas não sabem exatamente o que eles fazem e como as desempenham, para eles o importante é o trabalho estar feito, uma pena que a estratégia de recursos humanos seja inexistente e que não existam avaliações completas dos funcionários, planos de carreira e possibilidades de progressão.

Enquanto a cultura organizacional não mudar, existirão sempre estes parasitas que deambulam nas empresas como se elas realmente precisassem deles. A culpa é da gestão que cria condições para que estes parasitas se alimentem da empresa sem contribuírem para o seu funcionamento e desenvolvimento.

 

Contrastes de velocidades em período de férias

Em véspera do período de férias mais apetecível, ou mais exigido, dos portugueses há um contraste desconcertante entre quem se prepara para entrar de férias e quem regressa de férias e quem ainda tem de esperar para as gozar.

Enquanto uns se desligam lentamente do trabalho, adiam tarefas e empurram com a barriga decisões, outros desdobram-se para ter em dia todo o trabalho, para não ficar com pendentes e evitar ao máximo as surpresas durante a ausência dos colegas.

Sinceramente nunca entendi este desligar precoce, para mim as vésperas de férias são sempre complicadas, com imensos assuntos a resolver e imensas indicações a dar, que envolvem listas das tarefas que os colegas têm de tratar e pontos de situação para que não existam dúvidas, o que lhes facilitará o trabalho a eles e as férias a mim, pois nem eles gostam de me incomodar, nem eu de ser incomodada.

Com algum esforço extra antes do merecido descanso é possível evitarem-se constrangimentos, é precisamente nestas situações que conseguimos avaliar a qualidade, a responsabilidade e o profissionalismo dos nossos colegas, infelizmente nem sempre a avaliação é positiva, já que o egoísmo de uns prejudica a responsabilidade de outros.

O mesmo se passa quando se pede para resolver assuntos perto do horário de saída, uns acolhem o pedido e tentam ao máximo ajudar para que o assunto não fique pendente para o dia seguinte, outros respondem imediatamente que não podem, mesmo que não demore mais de dois minutos a tratar da questão.

Este desligar e este desleixo não ajudam em nada à produtividade das empresas, não adianta trabalhar 8 horas se efetivamente não rendemos durante esse período, seria muito mais produtivo para todos ter um horário mais curto, durante o qual a dedicação e o foco fossem de 100%, sem cafés, conversas, distrações, pausas e outras estratégias às quais recorremos para não enlouquecermos por estarmos fechados durante 8h, sem contar o horário de almoço, no mesmo espaço.

É urgente reorganizar os horários de trabalho, mas também é urgente mudar mentalidades, quer dos empregadores, quer dos empregados.

Os portugueses não querem trabalhar?

Ferraz da Costa. “As pessoas não querem trabalhar, as empresas não conseguem contratar” no jornal i.

Mão-de-obra é a maior ameaça à hotelaria” salário médio na Hotelaria é superior aos mil euros” declarações no âmbito do 2.º Business Breakfast da Publituris Hotelaria

 

Não fosse a gravidade da situação e estaria a chorar de tanto gargalhar.

 

Multiplicam-se as notícias sobre a alegada falta de mão-de-obra em Portugal à mesma velocidade que se multiplicam os comentários pejorativos a quem se recusa a trabalhar.

Neste jardim à beira-mar plantado critica-se tudo e todos, faça-se o que se faça, se nos sujeitamos a trabalhar por umas migalhas estamos a contribuir para a precaridade do trabalho, se decidimos ficar em casa somos subsídio-dependentes mesmo quando não recebemos subsídio nenhum.

 

atividades e serviços realizados fora da legislação laboral explicam como é que sobrevivem milhares de pessoas que não trabalham

Infelizmente parecem existir cada vez mais pessoas alheadas da realidade, há um grande estigma social contra os particulares que recebem subsídios do Estado, todos sabemos que há uma franja da sociedade que não faz nada para deixar de depender de subsídios, mas engane-se quem pensa que são todos uns malandros que não querem trabalhar, se há os pobres de espírito que não têm cabeça, ambição e discernimento para singrarem na vida, há também os chico-espertos que recebem subsídios porque simplesmente trabalham à margem da lei e são várias as atividades que permitem fazê-lo, algumas altamente lucrativas, amas, picheleiros, eletricistas, trolhas, prestação de cuidados a idosos, explicações, limpeza de casas, gestão de condomínios, restauração só para citar algumas. A estas acrescem ainda os serviços de design, informática, contabilidade, solicitadoria, engenharia, entre outros, assim como a agricultura, artesanato e compra e venda, atividades realizadas por baixo do pano faturadas a 1/3 do valor real ou simplesmente não faturadas.

 

Estas atividades e serviços realizados fora da legislação laboral explicam como é que sobrevivem milhares de pessoas que não trabalham e justificam a recusa de alguns trabalhos, porque aceitar um trabalho de oito horas semanais pelo ordenado mínimo não é rentável na maioria dos casos, pois se lhe retirarmos os custos de transporte e alimentação, o subsídio de alimentação é quase sempre insuficiente para pagar as despesas, o que sobra é uma miséria, pensando-se a disponibilidade, os custos e os ganhos e a balança pende para permanecer em casa e viver de “biscates” que muitas vezes apuradas as contas são mais rentáveis que um emprego.

 

não há empregos para quem tem mais de 35 anos

 

Conheço vários casos de mulheres que optam por ficar em casa após serem mães, não é porque não gostam de trabalhar, mas porque simplesmente o que ganham retirando o valor dos transportes, alimentação, creches e ATL não justifica que trabalhem, acabando por abdicar da sua carreira para efetivamente pouparem no orçamento familiar.

Tenho conhecimento ainda de vários casos de pessoas que só não se despedem porque se o fizerem não têm direito a nenhuma compensação, pois estão fartas de serem exploradas, gostavam de arriscar algo novo, mas quando passam os olhos nos anúncios de emprego sentem um arrepio na espinha, não há empregos para quem tem mais de 35 anos, pedem recém-licenciados com experiência, disponibilidade total, viatura própria, três ou mais línguas, pedem mesmo estagiários sem remuneração, um ou dois meses à experiência, sem rendimento, já li e ouvi propostas que julguei serem impensáveis, como devolver a parte paga do estágio ao abrigo do IEFP à entidade empregadora.

 

olhamos de lado quem nos rouba umas migalhas por receber um subsídio para o qual descontou, mas aplaudimos quem rouba milhões da União Europeia

Empresas que exigem horas extras não remuneradas e que descontam um atraso de 2 minutos, que não admitem pessoas sindicalizadas, que fazem assédio emocional aos funcionários, chantagem e pressão psicológica são mais que muitas, aliás raro é ouvirmos relatos de empregos fantásticos com ordenados condignos.

São essas as mesmas empresas que recebem subsídios chorudos que desaparecem magicamente, curiosamente não vejo ninguém insurgir-se contra as empresas subsídio-dependentes que em vez de criarem emprego e investirem em tecnologia surripiam os fundos para casas luxuosas e carros de alta cilindrada, mas esses são espertos, sabem dar a volta ao sistema.

 

Esta mentalidade nunca levará Portugal a bom porto, olhamos de lado quem nos rouba umas migalhas por receber um subsídio para o qual descontou, mas aplaudimos quem rouba milhões da União Europeia, essa instituição de caridade para oportunistas, já se sabe se é para roubar que se roube em grande.

desengane-se quem pensa que exportamos apenas licenciados, na construção civil estima-se que tenham emigrado mais de 200 mil trabalhadores,

 

Com esta realidade querem mesmo que existam trabalhadores dispostos a serem explorados? A crise aguçou o engenho, floresceu toda uma economia paralela ao mesmo tempo que exportamos mão-de-obra qualificada para outros países europeus, desengane-se quem pensa que exportamos apenas licenciados, na construção civil estima-se que tenham emigrado mais de 200 mil trabalhadores, agora segundo o Sindicato da Construção Civil de Portugal estão a angariar reformados para fazer face à procura.

É claro que com esta conjetura as pessoas não aceitam trabalhar pelo ordenado mínimo e muito menos regressam de um país onde ganham três, quatro, cinco vezes mais do que ganham em Portugal.

 

Foram-se aguentando os funcionários públicos, a classe média-alta e alta e as pessoas que têm empregos estáveis, que mesmo não tendo ordenados em condignos vão ficando pela família, pelos amigos, pela casa, pelas raízes, pela segurança, pelo sol, pelo amor, pelo receio, pela idade, são vários fatores que os vão fazendo ficar, mesmo sabendo que teriam mais sorte lá fora.

 

é preciso que o topo acompanhe a base e crie condições para captar e reter mão-de-obra,

Estamos perante um problema gravíssimo a oferta não se adequa à procura, a economia paralela aumenta, é um ciclo vicioso, o primeiro passo já foi dado, a recusa de trabalhar para comer, agora é preciso que o topo acompanhe a base e crie condições para captar e reter mão-de-obra, isso implica um tipo de gestão e orientação que os portugueses os patrões portugueses não têm.

Estamos em fase de crescimento, adivinham-se tempos prósperos, mas não conseguiremos crescer acima da média europeia e consolidar empresas e empregos se a estratégia não mudar. É preciso criar mais empregos e melhores, permitir a progressão nas carreiras e nas empresas, acabar com as discrepâncias entre a base e o topo e acima de tudo fiscalizar a aplicação dos fundos de desenvolvimento europeus.

 

Enquanto cidadãos precisamos abandonar a economia paralela, exigir faturas, não recorrer a serviços não faturados seja de que ordem for, tem de ser um trabalho, um esforço conjunto para surtir efeito, devemos ser exigentes e críticos em todas as situações, com o cidadão, mas também com as empresas, sem esquecer os governantes, é deles que deve vir o exemplo.