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Língua Afiada

Doutoramentos nos politécnicos e outros predicados do ensino português

Seguindo as recomendações da OCDE o Governo acaba com a exclusividade das universidades na atribuição de doutoramentos, os institutos politécnicos passam a poder oferece-los desde que cumpram determinados requisitos.
As regras para a aprovação de um doutoramento passam a ser mais exigentes para todas as instituições, as instituições superiores terão de demonstrar que produzem ciência na área em que querem abrir a formação e as unidades de investigação associadas têm de ter a classificação mínima de Muito Bom na avaliação da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).


Esta proposta é a evolução natural do ensino superior, que vai de encontro ao que se tem feito noutros países da Europa que fundiram os dois tipos de entidades, esta evolução passou a fazer todo sentido quando se adotou o sistema de Bolonha que terminou com o grau de bacharel, um grau usado pelos politécnicos para classificar os técnicos com formações de três anos que poderiam ser complementadas com mais dois anos obtendo-se o grau de licenciatura.
Com licenciaturas de três anos em universidades e politécnicos, é natural que os organismos alinhem cada vez mais a sua oferta, há muito que as universidades integram componentes práticas e que os politécnicos têm conteúdos teóricos de suporte à prática.


Numa altura em que existe uma clara dissonância entre os licenciados produzidos e os que o mercado procura é preciso criar condições para que exista um maior alinhamento entre a oferta e a procura.
É fácil cair na falácia do “temos doutores e canudos a mais”, mas a verdade é que temos muitos licenciados, mas poucos doutorados e temos licenciados em áreas em que não há empregabilidade.
Paralelamente a este cenário existe ainda um legado deixado pela recente crise, empresas considerarem normal e perfeitamente adequado pagarem a um licenciado 850€ ou menos, referi 850€ porque é o valor que uma empresa têxtil decidiu pagar a um técnico de design do Bangladesh, a este valor acresce o valor da habitação, não conheço qual o valor do alojamento, mas 850€ não é um ordenado digno para se pagar a uma pessoa especializada só porque no seu país ganhava uma ninharia, há licenciados em design têxtil em Portugal, mas acredito que poucos aceitariam trabalhar por esse valor, especialmente quando basta saltar para o país vizinho e ganhar pelo menos três vezes mais, talvez seja por isso que haja dificuldade em conseguir empregados.


Não adiantará de muito oferecer mais doutoramentos e permitir mestrados de 1 ano se as empresas não absorverem a mão-de-obra qualificada, continuaremos a exportar jovens altamente qualificados, que custam uma fortuna ao Estado para países que os valorizam e lhes concedem boas condições de trabalho e possibilidade de progressão na carreira.
É claro que o português snobe e altaneiro considera esta medida uma ofensa a essas mui nobres instituições superiores apelidadas de universidades, querem agora tirar-lhes o prestígio de dizer que estudaram numa universidade, qual politécnico, qual quê, mesmo que seja numa universidade de reputação duvidosa paga a peso de outro e zero credibilidade, universidade, é universidade. O pensamento prosaico português.


Considero estas medidas importantes para o ensino superior, mas temo que sejam manifestamente suficientes enquanto não se resolverem dois problemas gravíssimos. Em primeiro lugar o acesso ao ensino superior, demasiado rígido e quantitativo, especialmente quando o acesso depende de um exame nacional que acentua as desigualdades sociais, há uma vantagem enorme para quem tem dinheiro para pagar explicações específicas para os exames e entre quem não tem, e para quem frequenta o privado em turmas de 12 alunos e para quem frequenta o ensino público com turmas de 30 onde o acompanhamento é completamente diferente.
Na década de 90 quando a média era ponderada entre o exame e a média sem exame, eram às dezenas os alunos que se deslocavam para os colégios privados para conseguirem uma média suficientemente alta para suportar um exame medíocre, acredito que hoje o cenário não seja muito distinto.


Em segundo lugar não se entende que alunos de cursos públicos, pagos pelo Estado concorram para vagas no sistema público em pé de igualdade com alunos do privado, especialmente quando se sabe que no ensino público seja em universidades ou no politécnico existem sempre professores que fazem questão de não dar notas altas, este estigma está tão enraizado que conheço um caso em que num exame de resposta múltipla uma professora se recusou a dar nota 20 quando o aluno respondeu acertadamente a todas as questões.
No sistema de ensino público as regras são claras, existe um plano de avaliação e não há épocas especiais para além das previstas no plano, não se paga um extra para se fazer novo exame sempre que se quer, não existem aulas adicionais nas férias para recuperação de cadeiras, se não se passa dentro do plano de avaliação previsto fica-se com cadeiras e anos em atraso, porque no ensino superior também se reprova.


Saem para o mercado de trabalho dois tipos de licenciados os do ensino superior público e o do privado e se há, porque há universidades privadas de qualidade e rigor, também as há em que o que interessa são os números, facilitando-se ao máximo para que todos concluam os seus cursos no tempo estipulado, pagando (ganhando) o que for necessário.
Este sistema para além de ser injusto, lesa o Estado, que gasta uma verba substancial na educação superior de pessoas que engrossam os números do desemprego, esta desigualdade é bem patente precisamente na educação, onde os concursos de professores baseados nas médias sem qualquer ponderação qualitativa beneficia quem “paga” por melhores notas.
Não sou contra as instituições superiores privadas, elas existem para colmatar a escassa oferta pública, mas deveriam estar obrigadas a cumprir determinadas regras para estarem em pé de igualdade com o sistema público.


Não é surpreendente que exista pouca mobilidade social em Portugal, se a via mais fácil para que isso aconteça é precisamente pela aposta na educação é difícil consegui-lo quando o mercado não é justo. Felizmente nem todas empresas olham apenas para médias, mas entre as que olham e as que contratam pelo sistema da “cunha” resta pouco espaço para quem estudou no público cujos únicos padrinhos são o do batismo e o de curso.


A OCDE defende fim dos exames nacionais como meio de acesso ao ensino superior, esperemos que a curto prazo esta recomendação seja tida em conta, duvido que os interesses instalados em torno do ensino que envolvem milhões de euros, desde os colégios privados às instituições de ensino superiores privadas, passando pelos centros de explicações, esse mercado paralelo e altamente lucrativo e muitas vezes livre de impostos e ainda o mercado editorial com livros, guias, complicações de exames, permitam que esta recomendação se efetive no curto-prazo.

Portugal está ainda longe de uma reforma na educação e enquanto isso continuamos a formatar crianças e jovens para terem um pensamento quadrado, para lutarem por objetivos quantitativos, descurando-se a criatividade e a personalidade de cada aluno, usando a mesma fórmula repetidamente para contextos e realidades completamente distintas, com uma carga horária excessiva, trabalhos de casa impensáveis e uma crescente desmotivação.

Num contexto tão retrógrada não é surpresa que tantas vozes se tenham elevado contra a possibilidade dos politécnicos terem doutoramentos, pode parecer que não, mas esta pequena alteração abre a possibilidade de muitas mudanças, mudanças essas que não interessam a pessoas muito bem relacionadas, a boa notícia é que a pressão externa mais tarde ou mais cedo acabará por ganhar esta guerra.

Entrada no ensino superior

Há uma semana que não dormia direito com tamanha excitação, sabia no meu íntimo que tinha feito a candidatura de forma a garantir a entrada na Universidade, sabia que entrava, mas não sabia em que curso.

Preencher a candidatura não tinha muito que saber, em primeiro lugar colocávamos o que sonhávamos, depois tínhamos duas hipóteses jogar pelo seguro e colocar na segunda opção um curso em que tínhamos a certeza que entraríamos ou arriscar mais um bocadinho e deixar essa opção segura para terceiro lugar.

 

A esperança de entrar na primeira opção era pouca, Psicologia tinha uma média alta, fiquei perto, fosse agora entraria não só por a média ser um pouco mais baixa, mas porque poderia escolher como prova de ingresso Geologia o que me daria uma média de entrada bem mais alta.

Confesso que sabia que se entrasse em Psicologia era bem provável que nunca exercesse, mas a ideia de um dia me conseguir entender e perceber os motivos de algumas das minhas atitudes e dos outros era fascinante.

 

A minha segunda opção era algo que não conhecia bem, mas que exercia em mim um encantamento, tinha lido um artigo sobre essa nova profissão com nome estrangeiro e pomposo e agradava-me, agradava-me muito, não só pela profissão em si, mas pela remuneração esperada.

Marketing era uma filosofia de gestão nova, pelo menos em Portugal e como tal não havia muitos licenciados na área, apesar de existirem escolas superiores especializadas no curso não era uma área saturada e as saídas profissionais eram diversas, além disso possuía algo que para mim foi decisivo, era uma formação transversal a todas áreas de negócio, poderia trabalhar em qualquer área, só tinha um senão era um curso do Politécnico.

 

A terceira opção coloquei algo que gostava, mas que na verdade não fazia muito sentido, tirei o 12º ano vertente científico-natural candidatar-me a jornalismo não era muito lógico, mas podia e por isso decidi colocar.

Não imaginava que poderia ter entrado em Jornalismo, pensar que se tivesse alterado a ordem da candidatura a minha vida teria sido completamente diferente faz-me perceber como a nossa vida se pode decidir em segundos.

Na hora de preencher a candidatura hesitei, pensei – E se trocasse a ordem? Tenho quase a certeza que entro em Marketing mesmo colocando na terceira opção… Melhor não, já tinha decidido que era melhor assim.

 

Na altura quando recebi os resultados fiquei tão feliz por ter entrado que não pensei muito no resultado, não sou pessoa de pensar em muitos SES, especialmente naqueles que não posso mudar, ponderar decisões em relação ao futuro alterando variáveis sim, há decisões que obrigam a esse exercício, fazê-lo em relação ao passado é perder tempo e não gosto de perder tempo.

Não obstante, nestes últimos dias não consegui deixar de pensar na importância que o preenchimento de um papel tem na nossa vida, bastava ter alterado uma linha de entrada e a minha vida seria completamente diferente, não interessa se melhor ou pior, seria outra.

Não pelas saídas profissionais, não pela formação, mas pelas vivências, iria conhecer outras pessoas, faria outros amigos, teria outros desgostos, outras alegrias, seria uma pessoa diferente do que sou.

 

Se tomei a melhor decisão nunca saberei, mas isso não me incomoda, gosto do que faço, gosto daquilo que a minha formação me deu e proporcionou e acima de tudo não estou arrependida.

Não digo que se soubesse o que sei hoje não teria mudado algumas coisas no meu percurso académico, mas teria de ir mais atrás, teria de recuar até ao décimo ano, mas quando penso se valeria a pena trocar o que sou hoje por outra coisa que não eu, respondo sempre:

Não.

 

A todos aos que ingressaram agora no ensino superior, independentemente do curso ou dos motivos que vos fizeram escolhe-lo, os meus votos de sucesso, aproveitem a vida de estudante, desfrutem do ambiente académico, esforcem-se, aprendam, partilhem e acima de tudo divirtam-se.

Divirtam-se muito porque aprender é das coisas mais fantásticas que podemos fazer na vida.

 

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