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Língua Afiada

Residências para estudantes, mas só para filhos de funcionários públicos

Não é intriga, não é inveja, é mesmo uma questão pertinente, este tipo de medida é constitucional?

Todos sabemos que em Portugal temos dois tipos de pessoas, as de primeira que estão de alguma forma ligadas ao Estado, políticos, funcionários públicos e os amigos dos amigos dos políticos e todos os outros, mas declarar assim à cara podre, não encontro mesmo outro termo, que disponibilizarão 47 camas para estudantes deslocados filhos de funcionários públicos ultrapassa todos os limites.

Está consagrado na Constituição o direito à Educação, mas o Estado acha que só alguns têm direito a ter camas para estudar, uma coisa é ceder residências a quem tem poucos rendimentos e não dar esse direito a quem tem meios para pagar as residências aos filhos, outra é separar os filhos de funcionários públicos dos filhos dos outros, qual é o argumento que sustenta essa divisão?

Em tempos de pandemia vimos as desigualdades acentuarem-se como nunca e a ministra Alexandra Leitão acha boa ideia lançar esta notícia como se fosse uma medida extremamente boa e importante para dar possibilidade de estudar a quem tem poucos meios, atenção é só para filhos de funcionários públicos “pobres”, mas só para filhos de funcionários públicos.

Neste país sucedem-se vergonhas atrás de vergonha enquanto os nossos políticos pavoneiam-se de inauguração em inauguração como se este país fosse um paraíso, e é, mas só para eles que basicamente saem impunes de tudo, da corrupção, da gestão danosa, da negligência, da incompetência.

Agora, a ministra diz que não conseguiu antecipar a polémica, claro que não, estão tão habituados a dispor do nosso dinheiro como bem entendem que nem sequer equacionam que as pessoas possam discordar, sendo que aqui não se trata de discordar, trata-se de justiça, de igualdade e equidade.

Seria suposto que com o evoluir da sociedade e com a difusão da informação que estas situações deixassem de acontecer, mas ao que parece não só acontecem como são as consequências que são tidas como inesperadas.

Retrato de um país anedótico com uma classe política que teria piada se não fosse tão degradante e deplorável.

Não aponte o dedo Alexandre Soares dos Santos

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Por entre os pingos da chuva passam imensas notícias, algumas sem grande relevância, outras importantíssimas que são relegadas para segundo plano, outras verdadeiras pérolas que valem a pena serem escrutinadas.

O discurso de Alexandre Soares dos Santos durante a conferência da revista Exame é uma delas.

O patrão da Jerónimo Martins fez no mesmo discurso as seguintes afirmações:

 

“o que se paga a um reitor e aos professores é uma vergonha"

 

"Esta história de que um salário de cinco mil euros, ou uma pensão de quatro mil, é milionário... por amor de Deus, vamos acabar com isso"

 

"Uma empresa que não tenha recursos humanos competentes está simplesmente condenada a não avançar. O recurso humano para mim é mais importante que o capital."

 

Não poderia concordar mais com ele, é realmente vergonhoso que em Portugal se considere um salário de cinco mil euros milionário, embora seja cinco vezes mil euros, com o custo de vida atual quem aufere 5000€ por mês não é decididamente milionário, 60.000€/ano não pode ser considerado uma fortuna quando o prémio mínimo do euromilhões é de 17 milhões de euros.

 

Alexandre Soares dos Santos acha que os reitores mereciam ganhar mais dinheiro, não vejo mal nenhum nisso, é um cargo importante, não sei é se ele tem noção que para aumentarem os ordenados dos reitores teriam de aumentar todos os ordenados da função pública equivalentes… O que obrigaria a aumentar as categorias superiores e seria uma questão de tempo até existir um aumento generalizado.

 

Aumento generalizado para todos, qual é problema disso? Nenhum, não é a Jerónimo Martins a pagar, seriam todos os portugueses, inclusive os que receberiam aumento.

No entanto, a declaração que eu mais gosto e mais concordo é sobre a valorização dos recursos humanos, não poderíamos estar mais sintonizados, os recursos humanos são sem dúvida o maior capital de uma empresa seja pública ou privada, uma empresa sem funcionários competentes e motivados está condenada a não avançar, não tenho dúvidas disso.

 

O que é estranho é que os funcionários de empresas do grupo estejam constantemente a reivindicar aumentos de salários, em Agosto de 2016 o CESP (Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal) disse em comunicado não aceitar que a direção da empresa Pingo Doce:

 

“não valorize a experiência e a qualificação dos trabalhadores”.

 

Segundo a mesma notícia os operadores de supermercado de 2ª categoria auferem salários entre os 540 e os 550 euros; os operadores de supermercado de 1ª categoria auferem entre 545 e 570 euros; e os operadores de supermercado especializados (com mais de oito anos de serviço) recebem salários entre os 586 e os 630 euros.

Claramente que quem paga a um trabalhador com 8 anos de serviço um salário de 630€ valoriza os recursos humanos, se não valorizasse iria pagar-lhe quanto? O salário mínimo?

Foram muitas as exigências do sindicado mas a que vem mais a propósito foi exigirem que os lucros da empresa se refletissem no aumento de salários, no primeiro trimestre de 2016 o Pingo Doce viu os seus resultados líquidos subirem de 65 para 77 milhões de euros, seria mais do que justo que os trabalhadores fossem premiados pelo aumento dos lucros, seria a valorização e a motivação que necessitavam para continuarem o bom trabalho.

Ainda na mesma conferência Alexandre Soares dos Santos afirmou:

 

“No Algarve este ano, o Pingo Doce chegou a fazer propaganda na rádio para ter pessoas para trabalhar”, exemplificou. “Fomos ao Instituto do Desemprego, mandaram-nos 90 pessoas, dessas 90 apareceram seis e dos seis nenhum quis trabalhar. E foram todos novamente para o desemprego. Se tinham trabalho e não queriam trabalhar não tinham que ir para o desemprego.”

 

Fica no ar que tipo de proposta de emprego estariam a oferecer?

Mas com certeza que deveriam ser salários que valorizam os recursos humanos, não poderia ser de outra forma, as pessoas que não compareceram é que não perceberam bem a proposta.

 

O CEO da Jerónimo Martins apenas ganha mais 90% que a média dos trabalhadores do grupo, Pedro Soares dos Santos recebeu 865.660 euros em 2016, enquanto os funcionários do grupo Jerónimo Martins ganham, em média, 9.589 euros.

De notar que os 9.589€ são a média, não os que ganham menos.

 

Senhor Alexandre Soares dos Santos acha mesmo que tem alguma moral para vir falar dos salários de alguma classe profissional?

Por acaso acha que tem alguma credibilidade quando diz que o recurso humano é mais importante que o capital?

Acha que sim? Se assim é, porque não pega nesse capital que desvaloriza e distribui pelos recursos humanos que tanto valoriza?

Já agora, se está tão preocupado com os ordenados dos trabalhadores do Estado porque não começa a pagar impostos em Portugal para dar mais dinheiro ao Estado Português?

Eu gostava de entender o que o motiva a fazer um discurso destes? Não tem uma assessora de imprensa ou uma gestora de relações públicas que lhe prepare os discursos e o informe do que deve ou não dizer?

Se quiser posso rever-lhe os discursos, é claro que tem me remunerar em conformidade com as funções, não é fácil encontrar temas e ideais para que defenda, é que com tantos telhados de vidro é necessário esconder todas as pedras não vá uma, duas ou várias fazerem ricochete.

Há dias que de manhã, durante a tarde e quando chega à noite mais valia estar calado.

Quer mesmo que os seus funcionários não achem que 5000€ é um salário milionário?

 

Pense duas vezes antes de apontar o dedo, melhor pense duas vezes antes de discursar sobre seja o que for.

 

Foto: Notícia Expresso