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Língua Afiada

Mudam-se os tempos, persistem as vontades

Quando era criança não precisava de sair de casa para ter acesso a um sem fim de serviços e objetos, no conforto do lar tudo aparecia à porta de casa sem deslocações, sem esforço, sem correrias, sem filas. Todos os dias era dia de alguém passar à porta, eram raros os dias em que não passavam várias pessoas.

 

O primeiro a chegar era o padeiro a deixar o primeiro pão do dia para o pequeno-almoço ainda de madrugada, pela manhazinha passava novamente e, no caso de caso alguém se esquecer de comprar alguma coisa, a meio da manhã aparecia o concorrente a fazer a segunda ronda, já com pastelaria acabadinha de sair do forno e broa quente para o almoço.

 

Recordo-me que às segundas era o dia das senhoras que vendiam enxovais, eram três, ao início da tarde passava a primeira trazia um saco gigante à cabeça, um saco que era talvez maior do que eu e parecia não ter fundo, na braçada trazia um saco mais pequeno, mas ainda assim enorme. Ao final da tarde passava a senhora das malhas que para além das peças do enxoval vendia camisolas e casacos tricotados à máquina por ela com desenhos à escolha do freguês, recolhia as encomendas, havia até competição para ver quem tinha a camisola mais original. De seguida chegavam as irmãs, duas solteiras que faziam a ronda com uma mula, a bicha obediente e cabisbaixa era mesmo uma mula de carga, carregada até lhe doerem os ossos de colchas de renda, lençóis de linho e cobertores de lã.

 

As terças e as quintas ficavam reservadas ao peixe, a primeira a passar era a peixeira mais velha, conhecida por todos envergava com orgulho a canastra, o avental ao xadrez e o lenço com motivos de Viana, apregoava o peixe como se estivesse na lota e deixava sempre uma sardinha ou um verdinho a mais para a menina. Depois passava o peixeiro na sua carrinha com um altifalante ruidoso a transmitir as músicas do rancho folclórico da terra, a cassete era sempre a mesma, vinha acompanhado com a filha que era dedicada, sempre pronta a vender mais uma dourada, devia gostar muito de gatos porque deixava sempre ficar o peixe torto para o bichano como ela lhe chamava.

 

Às quartas passava o “Homem da Farinha” nunca soube o seu nome, deixava as rações para os animais, milho para as galinhas, penso para os coelhos, farinha para os porcos, descarregava os sacos e se a minha mãe demorasse muito a aparecer deixava a encomenda na entrada e arrancava para outro cliente, passava a receber na semana seguinte.

 

No mesmo dia passava a “Mulher das Galinhas” vendia os pintainhos para criação, galinhas poedeiras, ovos, frangos para abate, galos capões para o Natal, perus, patos, lembro-me que estava sempre a pedir à mãe para ter um pato, cheguei a ter dois ou três, mas depois mais crescida a minha mãe achou melhor não me dar desgostos e patos, só o selvagem que o vizinho trouxe da caça e ofereceu ao meu irmão.

 

À sexta passava o vendedor de fruta e legumes, tudo fresquinho e selecionado, nem era preciso perder tempo a escolher as maçãs mais bonitas ou as peras maiores, nem limpar as alfaces e as pencas das folhas velhas esse trabalho já havia sido feito previamente.

 

Ao sábado era o dia mais movimentado, desde os três padeiros diferentes aos vários vendedores de legumes e frutas, vinham de Trás-os-Montes nas suas furgonetes de caixa aberta com batatas, cebolas, castanhas, nozes, avelãs, pinhões, coisas da terra e da época, tudo caseiro e com um sabor maravilhoso.

 

Passava também a “Senhora do Trator” com a sua broa caseira, presunto e salpicão fumados no lar de casa, com o sabor tão característico.

 

Uma vez de 15 em 15 dias passava o “Homem dos guarda-chuvas” um senhor que sempre conheci velhinho e curvado, talvez de andar tanto a pé sempre carregado, que componha as varas dos guarda-chuvas, num tempo é em que os guarda-chuvas duravam uma vida e não se desfaziam com uma rajada de vento, levava-os e 15 dias depois devolvia-os como novos.

 

De mês a mês passava um senhor a amolar as facas e as ferramentas de trabalhar a terra, enxadas, foucinhas tudo tinha direito a ser afiado para laborar melhor.

Segundo a minha mãe “antigamente” até o barbeiro passava a cortar o cabelo e a barba.

 

Hoje, ainda é o dia em o padeiro me deixa o pão para o pequeno-almoço à porta que pago ao final de cada mês, passam ainda várias pessoas a vender um pouco de tudo, ainda passam algumas das que referi no texto, já nenhuma passa a pé, mas as casas estão mais vazias, as pessoas compram menos, preferem comprar noutros locais.

 

Num sábado recente estava em casa dos meus pais quando chegou um senhor de Trás-os-Montes, resolvi sair à rua com a minha mãe para ver se ele trazia castanhas, trazia boas e baratas, comprei, a minha mãe por sua vez comprou maçãs e peras para 15 dias, estranhei, disse-me que ele só passa de 2 em 2 semanas e que a fruta mesmo fora do frigorífico não se estraga, claro que não, é natural.

 

Não pensei mais no assunto até uma conversa casual sobre compras online.

O princípio é o mesmo, a diferença é que agora pagamos em antecipado, não vemos a mercadoria e pagamos muitas vezes o custo de transporte, antigamente víamos, escolhíamos, pagávamos muitas vezes no final do mês e o custo de transporte era diluído nas compras de todas as pessoas, eram só vantagens, a maior de todas, a interação com as pessoas, as conversas, as trocas de novidades, os laços que se construíam, vivências, recordações que pessoalmente guardo com carinho.

Todos se ajudavam, a economia local era a principal beneficiada, uma mão lavava a outra e os pequenos negócios prosperavam com as trocas comerciais entre uns e outros.

 

As vontades permanecem iguais, pois cada vez mais há a necessidade de poupar tempo em compras que só nos causam stress, a forma como o fazemos é que é diferente e que só beneficia os grandes grupos, é por isso importante que os pequenos negócios regressem às origens mas de uma forma reinventada.

Mudam-se os tempos, mudam-se os costumes, mudam-se os hábitos de consumo, mas não se mudam as vontades, continuamos a gostar de estar no conforto do nosso lar e que as coisas cheguem até nós sem esforço.

 

Mudam-se os tempos, persistem as vontades.

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E se te encontrassem através de uma foto

Imaginem que vão na rua e veem alguém interessante, tiram-lhe uma foto à socapa, fazem upload para a aplicação FindeFace que cruza a foto com as existentes nas redes sociais e voilá encontram a pessoa em dois cliques.

Conhecem logo o seu estado civil, emprego, educação e dependo do perfil até a podem ver em trajes menores e perceber logo o que se passa debaixo da roupa sem terem de esperar pelo terceiro encontro.

Mas também podem fazer o contrário, é possível escolher uma foto de uma celebridade fazer upload e encontrar resultados semelhantes.

Os criadores da aplicação Artem Kukharenko e Alexander Kabakov dizem que resulta em 70% das vezes e caso não identifique a pessoa a aplicação sugere dez pessoas idênticas.

 

Não corram a apagar as vossas fotos de perfil pois como devem ter percebido pelos nomes estes senhores são russos (poderiam ser de outra nacionalidade?) e a aplicação só está disponível para a rede social russa Vkontakte que tem apenas 200 milhões de utilizadores, portanto coisa pouca.

Lançada em fevereiro, a aplicação já conta com meio milhão de utilizadores e mais de três milhões de pesquisas. O algoritmo do FindFace permite uma pesquisa rápida e cruzamento de triliões de comparações num computador normal o que não é de estranhar porque é gratuita para quem não quiser fazer mais de 30 pesquisas por mês, só quem pretende fazer pesquisas ilimitadas tem de pagar.

Os criadores afirmam já terem sido contactados pela polícia que os terá informado ter usado a aplicação para encontrar suspeitos e testemunhas de crimes, portanto senhores criminosos não se esqueçam dos capuzes.

A aplicação está prestes a assinar um contrato com a administração pública da cidade de Moscovo para trabalhar com uma rede de 150 mil câmaras de vigilância, o quê? Sistema de vigilância e identificação constantes? Como no Person of Interest!

As utilizações de uma aplicação destas são ilimitadas quer para sistemas de segurança quer como ferramenta de marketing, mas não deixam de levantar questões importantes de proteção de dados e invasão de privacidade.

Por enquanto, a aplicação não pode ser utilizada no Facebook, uma vez que é muito mais difícil aceder à base de dados desta rede social, mas as aplicações comerciais poderão contrariar este fator.

Se isto escalar para outros países e redes sociais podemos estar perto de sermos vigiados 24 sob 24h e não adiantará muito não estar inscrito nas redes sociais, porque os nossos dados estão informatizados pelo cartão de cidadão, passaporte, carta de condução, a dificuldade até agora era a análise dos dados de uma forma rápida e eficiente sem recorrer a super computadores e servidores.

 

Temos duas opções ou passamos a usar burca ou emigramos para uma ilha deserta, eu estou sempre a dizer que quero ir para a ilha, um dia todos quererão ir.