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Língua Afiada

O escândalo do professor e as prioridades dos portugueses

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Bastou uma frase polémica para que a vida de uma pessoa fosse completamente devassada pelos polícias de serviço das redes socias, aproveitando a onda, porque o que interessa é cliques e leitores, os jornais não se rogaram em investigar e divulgar toda a informação que encontraram do professor universitário.

Primeiro é preciso esclarecer que ninguém deveria ter o direito de investigar a vida de uma pessoa só porque a mesma decidiu participar num debate televisivo, quando isto acontece o que nos estão a dizer é que devemos ser muito cuidadosos com o que dizemos e com o que fazemos, não vá alguém lembrar-se de nos ridicularizar nas redes sociais e gerar-se um movimento de escrutínio de toda a nossa vida.

 

O professor tocou em dois temas sagrados, crianças e velhinhos, são espécies protegidas, mas apenas em pensamento, pois a realidade é bem diferente do que se defende por nas redes sociais, se as crianças ainda vão conquistando alguma simpatia e dedicação, mais não seja por obrigação, infelizmente o que não faltam são pais que deixam os filhos vigiados por tablets e smartphones, aos velhinhos nem a obrigação lhes vale na hora de receberem cuidados e carinho, a maioria são abandonados e esquecidos, vivendo em solidão e muitas vezes precariamente.

É precisamente deste abandono que vem a necessidade de obrigar um neto a beijar um avô, tirando um ou outro caso de crianças que simplesmente não gostam de beijos, todas as outras beijam voluntariamente as pessoas que gostam e com as quais convivem, além disso as crianças são espelhos e retribuem o que recebem, se lhes dermos carinho e atenção é isso que receberemos delas.

A afirmação do professor pode parecer absurda, mas na verdade só assume esse carácter pela forma como foi transmitida, usadas outras palavras e não se fazendo um paralelismo tão gravoso, a reação das pessoas seria com certeza outra.

 

Beijar é uma forma de cumprimento em Portugal, é uma saudação que ao contrário de outros países e culturas é normal entre estranhos, não é preciso ter intimidade com uma pessoa para a cumprimentar com dois beijinhos, basta a conhecermos num contexto descontraído, é perfeitamente habitual encontramos um amigo e cumprimentarmos quem o acompanha de beijinho.

Beijar como cumprimento é uma norma social e por isso incutimo-la nas crianças como sendo natural e como fazendo parte da boa-educação, mas há limites, limites esses que começam quando colocamos em causa a liberdade e o espaço da criança, é aqui que os pais e restante família tem o difícil papel de julgar se a criança está a ser mal-educada ou a proteger-se de algo que não gosta.

Nem todas as crianças são beijoqueiras, nem todas adoram dar beijos a estranhos, principalmente se esses estranhos vierem acompanhados de odores estranhos e viscosidades, desenganem-se se pensam que só se afastam de velhinhos, muitas vezes afastam-se até de outras crianças, tudo dependo do aspeto da pessoa e do grau de nojo da criança.

 

Obrigar uma criança a parar de brincar para cumprimentar uma pessoa é ensinar-lhe a ser educada, obrigar uma criança visivelmente incomodada, enojada ou envergonhada a beijar alguém pode ser realmente uma violência.

Se essa violência justificará a violência que a criança infligirá mais tarde a outras pessoas, creio que não será suficiente, mas num conjunto educativo onde o amor é visto como obrigação, onde é comprado, onde a violência é praticada todos os dias seja por imposições, seja por palmadas, onde exista controlo extremo, manipulação e modelação, estão reunidas as condições para que crianças que cresçam nesse ambiente considerem aceitável controlar a namorada ou namorado, considerem normal manipula-los e compra-los e considerem normal punir com violência física.

 

As crianças são esponjas e refletem os comportamentos dos que as rodeiam, por isso é muito importante a explicar o porquê que alguns comportamentos, não basta simplesmente obrigar, é necessário contextualizar.

Existe um grande paradoxo na educação nos nossos dias, por um lado tenta-se atender a todas as necessidades e desejos da criança, tenta-se que tenha voz ativa e foi-lhe reconhecido um estatuto de vontade que nunca antes existiu, por outro lado deixou-se de fazer o inverso, de explicar o porquê das coisas, de explicar o conceito de autoridade, os pais não se podem colocar em pé de igualdade com os filhos, isso dificulta não só a sua perceção de autoridade como lhes dá uma noção errónea do que é certo e errado, há uma hierarquia familiar e se devemos dar voz às crianças, nunca as podemos deixar esquecer de que quem tem a última palavra são os pais.

 

É lamentável que um comentário num debate televisivo gere uma onda tão grande de contestação e descontentamento, estamos no fundo a falar da opinião de uma pessoa, que concordando-se ou não com ela, é necessário respeitar, uma opinião que não interfere com a nossa vida, enquanto isso são revelados todos os dias esquemas que nos prejudicam direta e indiretamente, nomeações estapafúrdias de políticos para cargos para os quais não têm competências, assistimos a penas suspensas para crimes financeiros, ao arrasto de processos de fraude e corrupção, mas o que interessa é a opinião que um professor tem sobre os netos serem obrigados a beijar os avós.

 

O que é realmente importante é devassar a vida de uma pessoa, quando todos os dias devassam a nossa com a maior descontração e tamanho descaramento que o aceitamos como boas ovelhas que somos, todas ordenadas em fila para que nos cortem a lã mesmo que isso nos deixe a tremer de frio.

 

*Imagem Leticia Lanz

 

Não se pode criticar Trump por cumprir promessas. Hipocrisia e esquecimento.

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Obviamente que devemos criticar e exigir pelos meios que estão ao nosso alcance que se acabe com a barbaridade de separar os filhos dos pais, mantendo crianças e jovens em jaulas como se fossem animais em condições deploráveis.

Devemos fazer-nos ouvir para que organismos, entidades, governos façam pressão sobre a administração Trump e não nos devemos calar por mais que a voz (alma) nos doa.

 

Pessoalmente, sempre agoirei que Donald Trump como presidente seria um desastre, uma pessoa má, sem valores e sem escrúpulos à frente da primeira economia mundial e, sejamos sinceros, do país que lidera, que inspira o resto do mundo nunca poderia ser bom, só poderia ser péssimo.

Donald Trump tem muitos defeitos, mas em termos políticos temos de assentir que faz promessas com intenção de as cumprir, esta política de tolerância zero foi promessa que agora cumpre, custa-me por isso que hoje muitos dos seus apoiantes surjam como virgens ofendidas a dizer que existem limites, que a aplicação da lei é inadmissível, que separar mães de filhos é imoral.

 

De estranhar que o reverendo Samuel Rodriguez só agora se preocupe com as políticas “terríveis” de Trump, este e outros membros do clero católico que apoiaram Trump parecem surpreendidos com a crueldade do presidente, o que em termos práticos se pode comparar a um padre estranhar que o diabo o queira levar a cair em tentação.

Não é passível de entendimento que uma pessoa com um mínimo de inteligência e pensamento crítico possa ficar surpresa com esta atitude de Trump, o homem que anunciou aos quatro ventos que iria impedir os migrantes de entrar, anunciou até um muro, um muro que quer a toda a força construir e está a valer-se de uma lei aprovada pelos democratas para o fazer, num braço de ferro que apesar de ir contra toda a lógica irá levar até às últimas consequências, não estivéssemos a falar de Trump.

 

Portanto o problema não é negar asilo, aliás manter os migrantes do outro lado de um muro, um muro imaginário que construirmos na nossa mente não choca ninguém, o que o coração não vê, não sente, o problema é a realidade que conseguimos ver e vermos crianças separadas à força dos seus pais choca até os mais insensíveis, especialmente se isso não acontece num país de terceiro mundo, mas nesse grande país dos sonhos USA.

Que belo exemplo que os Estados Unidos da América dão ao mundo, nunca pensei que o país reconhecido por sair em defesa dos fracos e dos oprimidos, salvando a Europa duas vezes da aniquilação pudesse transmitir uma mensagem tão medíocre, avassaladora de todos os valores da liberdade.

Exemplo que muitos líderes europeus parecem querer seguir ao negar asilo aos migrantes que fogem para a Europa à procura do sonho europeu, não há sonho americano, nem sonho europeu, há resquícios de valores como liberdade, igualdade, aceitação, proteção, união.

Numa altura em que se discute o nome de um museu que se quer politicamente correto, não se vá ofender o mundo com a palavra descobrimentos, nega-se asilo, refúgio e comida a milhares de pessoas, como será descrita esta situação nos livros de história?

 

A nossa memória coletiva é pobre, esquecemo-nos muito rápido das atrocidades cometidas no passado, das lições que as guerras nos deixaram e que deveríamos perpetuar para todo sempre, para que nunca mais se repetissem.

O ser humano compadece-se com a maldade de Trump, mas quantos de nós verdadeiramente seriamos capazes de aceitar migrantes se isso significasse uma mudança na nossa vida e provavelmente repartir riqueza? Poucos. Preferimos olhar para o outro lado e esquecer, a menos que nos chegue uma imagem avassaladora por ser tão familiar, aí perdemos um tempo a lamentar e a lamuriar a morte de uma criança perdida no areal.

 

Hipocrisia, pura hipocrisia, o problema da migração é um problema que não desaparece só porque não olhamos para ele.

Muito mal de saúde vai o mundo, a Humanidade mais uma vez caminha para o precipício, valem-nos alguns exemplos de humildade, respeito e educação, como o dos adeptos Senegaleses e Japoneses que fizeram questão de limpar as bancadas após o jogo e vitória das suas seleções.

Curiosamente foram os ”negros” e os “amarelos” a dar uma lição de civismo aos “brancos” e a isto se chama dar uma bofetada de luva branca dentro e fora das quatro linhas.

É de boas famílias! E depois?

Os portugueses estão colados a este pensamento provinciano exacerbado pela sabedoria popular que “quem sai aos seus não degenera”, como se os filhos fossem clones dos pais, ou uma extensão dos mesmos, esquecem-se que há maças podres em todas as macieiras e que “no melhor pano cai a nódoa”.

 

Hoje, ao ler o artigo "Subir na vida sem berço de ouro é mais difícil em Portugal" do Público não consegui deixar de pensar neste facto tão antiquado, é desolador confirmar o que já sabia, em Portugal as origens ainda ditam e condicionam o nosso destino.

 

Sempre o soube por experiência própria, que mais do que a inteligência, a competência, a determinação era importante ter o apoio de pessoas importantes, num meio pequeno, pequeno especialmente a nível de mentalidade, é impressionante como a família influencia o acesso ao emprego, chegar a um cargo de relevância em qualquer empresa implica ter pais influentes ou alguém conhecido que intervenha a nosso favor.

 

Se não tivermos isso podemos optar pela a hipocrisia, a bajulação e a imposição, colocar-nos estrategicamente no meio dos influentes, nem que para isso seja preciso ser o empregado de serviço, suportar humilhações e ser pau para toda a colher, apenas com o intuito de ganhar o direito de estar no seu meio, almejando um dia ser reconhecido como um deles, não por mérito mas por continuidade e rotina, até lá vai-se alimentando de migalhas.

 

Um caminho alternativo é esforçar-se a quadruplicar, trabalhar acima do limite e dar tudo, mesmo tudo para que alguém no topo perceba que afinal está ali alguém de valor, tendo sempre a sombra que se por um acaso um filho, um sobrinho ou até um filho do amigo quiser o lugar estão tramados.

 

Ainda mais antiquado é procurar um lugar ao sol pelo amor, perdão pelo casamento de interesse, conheço vários casos que para além de escolherem cuidadosamente as amizades, escolheram com quem casar na esperança que isso lhes abrisse a tão ansiada porta que dá acesso à escada para o topo.

 

Quem não tem estômago e feitio para bajular, quem escolhe amizades por afinidade e casar por amor, só tem duas opções: esforçar-se quatro vezes mais do que o necessário ou expandir horizontes.

 

E não é preciso sair de Portugal, basta sair do local onde todas as pessoas conhecem as nossas origens e após ouvirem o nosso sobrenome demoram menos de dois segundos a fazer um juízo de valor da nossa personalidade, das nossas capacidades e até a decidir se cumprimos ou não os requisitos para o cargo.

 

Não é de estranhar que depois estes marginalizados pelas suas raízes se tornem em piores chefes que os seus chefes, já diz o ditado “não sirvas a quem serviu, não peças a quem pediu”, este comportamento torna-se num ciclo vicioso, sem que consigamos ultrapassar esta herança castradora da competitividade e mobilidade social.

 

Escrevi esta semana sobre a percentagem altíssima de racismo biológico em Portugal, não é surpreendente que ela exista quando ainda existe um tão grande preconceito biológico entre a própria população portuguesa.