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Língua Afiada

Assédio, piropos e galanteios e onde andam os cavalheiros?

Qual a linha que separa um galanteio de um piropo?

Qual a linha que separa um piropo de assédio?

 

Ontem no programa “E se fosse consigo?” abordaram o assédio a mulheres, foi desconcertante perceber a inação das pessoas perante tal comportamento, mas ainda mais desconcertante foi perceber que a maioria das mulheres escolhe ignorar este comportamento.

Ignorar comentários impróprios e seguir o nosso caminho com a cabeça erguida foi a solução que nos transmitiram, não vamos dar-lhes o gosto de uma resposta, até porque tal comportamento não é digno de nós e por isso não pode sequer ser dirigido a nós.

Mas o que fazer quando esse comportamento ultrapassa a nossa capacidade de ignorar ou quando o assédio verbal passa a físico?

 

Conseguimos ignorar uma frase jocosa, conseguimos ignorar até um piropo mais atrevido, mas conseguimos realmente ignorar um comentário ou uma proposta obscena? Ou ficará ele a entoar-nos na mente durante o dia, enquanto remoemos as possíveis respostas que gostaríamos de lhes ter dado?

E um assédio físico? É possível ignorar? Não. Não é possível.

As mulheres deveriam conseguir caminhar na rua com a roupa que lhes aprouver sem serem incomodadas por homens das cavernas que não controlam os seus instintos mais básicos, que em vez de neurónios têm imagens água no cérebro.

 

Ao ver o programa pensava, no Porto, há ou pelo menos havia mais resposta, culturalmente as mulheres são mais explosivas e não se ensaiam muito em desfiar um rol de respostas, algumas igualmente impróprias a quem ousar dirigir-lhes comentários, as respostas podem ir de um simples – “Sou muito areia para o teu camião” até um desfilar de injúrias que fazem corar até as pedras da calçada.

Se é isso que se espera de uma senhora? Não, mas pelo menos não ficam a remoer aquelas palavras que têm o poder de nos infligir vergonha quando o comportamento vergonhoso não é nosso.

Quando o assédio é físico a coisas complicam-se, nem sempre a reação é imediata, por vezes sentimo-nos tão impotentes e fragilizadas que não sabemos como agir, o que responder o que fazer.

 

No liceu, andava eu no sexto ano, quando os rapazes acharam que era boa ideia começarem com os chamados “apalpões” ao rabo das colegas de turma, o comportamento que não se sabe bem como começou escalou e em poucos dias passou a ser recorrente, já não sabíamos o que fazer, não os conseguíamos apanhar a todos, nem puni-los, alguns levaram estalos, pontapés, insultos mais que muitos, mas isso não parecia surtir o efeito desejado que era parar o comportamento.

Um dia combinei com as minhas colegas que no intervalo seguinte em vez de nos tentarmos proteger iríamos retaliar, não com insultos ou estalos, mas com apalpões, em menos de um fósforo a moda terminou pois eles não gostaram nada de estarem constantemente a ser incomodados e assediados.

 

Se esta técnica resultou com crianças não é possível de executar com adultos, aliás o ideal seria que este comportamento não sucedesse com adultos, mas como os homens quando andam em bando tendem a ser primitivos, há ainda quem ache que normal assediar mulheres.

Sempre existiram homens rudes, primitivos e com comportamento impróprios, mas antigamente existiam mais cavalheiros, homens sempre dispostos a defender a honra de uma mulher como se fosse sua mãe, irmã, esposa ou filha, conscientes que se hoje era uma estranha no dia seguinte poderia ser uma pessoa das suas relações.

 

Os homens distintos e honrados são uma espécie em extinção, providos de um instinto protetor, são os mesmos que num momento tratam uma mulher com delicadeza extrema e no momento seguinte desferem um soco a um malcriado.

Este tipo de homem é aquele que não consegue ficar impávido e sereno quando vê uma mulher ser alvo de um ataque grotesco seja um comentário obsceno, seja um assédio físico, pois sente o dever de se opor a tão vil comportamento.

É este homem também que é capaz de ser galanteador e ter sempre uma palavra cordial ou até um mimo para as mulheres que o rodeiam, sejam família, amigas ou colegas de trabalho, é o homem que sabe distinguir um galanteio de um piropo e sabe até onde é permitido ir sem invadir o espaço da mulher ou coloca-la numa posição embaraçosa ou desconfortável.

Até para se fazer um elogio é preciso ter-se bom senso, bom senso que parece ter caído em desuso em todas as vertentes da nossa vida.

 

O papel da mulher evoluiu na sociedade, mas mulheres emancipadas não são algo recente, sempre as existiram, embora em menor número e isso nunca significou que pudessem por isso serem tratadas de forma diferente.

A afirmação da mulher na sociedade, a sua igualdade de direitos e oportunidades, não pode e não deve ser impedimento de serem tratadas com respeito e consideração, não pode ser a desculpa para os homens deixarem de ser cavalheiros, assim como não é desculpa para as mulheres deixarem de ser damas. (Não confundir com as damas do hip pop).

 

Respeito, honra, integridade, retidão, educação, dignidade, decência, proteção, empatia e solidariedade parecem valores ultrapassados sobrepostos pelo egoísmo e foco no próprio umbigo e para horror da humanidade o instinto protetor e o dever de auxílio tem sido substituído pelo instinto da fama, do aparecer, do mostrar, do querer ser o primeiro a relatar, o herói passou a ser quem divulga a vítima e não quem salva a vítima.

Como seriam as bandas desenhadas se os heróis em vez de salvarem as vítimas as fotografassem e filmassem?

 

A linha que separa um galanteio de um piropo é clara e definida, é a diferença entre um cavalheiro e um bronco.

A diferença entre um piropo e assédio é simples, ambos não deveriam existir.

Combater violência sexual contra mulheres com exclusão dos homens

É o que irá acontecer no próximo ano na Suécia, um festival exclusivo para mulheres.

A ação, vista por alguns como discriminação, é um protesto após acusações de 23 abusos e quatro violações que terão acontecido no recinto do maior festival de verão da Suécia o Bråvalla, que foi mesmo cancelado para 2018.

 

A ideia terá surgido depois da humorista e animadora de rádio sueca Emma Knychare ter lançado a pergunta no Twitter:

“O que acham de se organizar um festival de música muito cool onde só os homens não são bem-vindos, que aconteça até que TODOS os homens tenham aprendido a comportar-se?".

 

A resposta do público foi positiva e o festival irá mesmo acontecer, substituindo o Bråvalla.

A iniciativa é inédita, pois embora outros festivais já tivessem disponibilizado espaços específicos só para mulheres, é a primeira vez que um festival proíbe a entrada de homens em todo o recinto.

 

É discriminação?

Não, é seleção, na medida em que há espaços direcionados apenas para homens ou mulheres, não vejo por que razão um evento não poderá ser pensado apenas para um dos grupos.

 

Faz sentido que hoje existam estes espaços que definem a clientela com base no género?

Não, não faz sentido nenhum, especialmente quando o género já não é sequer obrigatório em alguns países.

 

E fará sentido em 2017, num país europeu, supostamente evoluído, as agressões sexuais a mulheres serem encaradas com normalidade?

Na Suécia o alto nível de incidência de crimes de agressão sexual levou mesmo a que o Governo tomasse a decisão de apertar leis para dissuadir este tipo de crimes.

Não acredito em discriminação positiva, não acho que se devam barrar os homens para proteger as mulheres, a solução passará sempre por educar os homens e punir severamente quem infringir a lei, existe também a necessidade de criar condições de segurança para que as mulheres se possam sentir seguras neste tipo de ambientes e em qualquer outro.

 

Acredito que este festival enquanto forma de protesto terá esse papel, consciencializar os homens que as suas ações têm consequências, embora claramente aqui estaremos a responsabilizar todos pelas ações de alguns, mas é um protesto, está a ser notícia e no fundo a cumprir o seu papel, chamar à atenção e promover o debate sobre o assunto.

Não obstante, espero que esta iniciativa não seja encarada como solução e comece a ser regra. Não vamos regredir ao tempo em que separávamos meninas e meninos nas escolas, em que existiam espaços reservados a homens e espaços reservados a mulheres, a segregação não resolve o problema, apenas o agrava.

Ao isolarmos as mulheres não as estamos a proteger, estamos a fragiliza-las, a passar a mensagem que apenas estão seguras sem homens, dando força à normalidade das agressões em ambientes mistos.

Estas questões têm de ser tratadas com o máximo cuidado, queremos passar a mensagem certa, mas é muito fácil essa mensagem ser deturpada dado o carácter sensível do tema.

 

Concordo com o protesto, com o exemplo que dá, mas não se pode cair na tentação de elevar o protesto a regra.

E se as mulheres andassem nuas?

E se todas as mulheres saíssem à rua como nasceram, desnudadas, sem roupas, sem artifícios, sem esconderem a carne, os ossos, a pele, estariam a aliciar os homens?

Estariam elas a provocar a luxúria no sexo masculino?

 

Segundo o ministro do estado de Karnataka G. Parmeshwara as roupas podem ser a justificação dos abusos, no seguimento dos inúmeros abusos ocorridos na noite da passagem de ano em Bangalore na Índia, as declarações do ministro do estado deixam muito desejar.

“Em eventos como a passagem de ano… há mulheres que são assediadas e maltratadas. Este tipo de coisas realmente acontecem.” “[As jovens] tentaram copiar os ocidentais, não apenas em relação à mentalidade, mas até no vestuário”, criticou Parmeshwara.

 

É lamentável, lastimável que este tipo de declarações sejam proferidas da boca de um ministro seja na Índia ou em qualquer outra parte do mundo.

Podemos pensar que este tipo de comentários e eventos só ocorrem fora do Ocidente mas não é verdade, todos os dias mulheres são maltratadas, assediadas, molestadas simplesmente por serem mulheres e não são raras as ocasiões em que ouvimos justificações semelhantes às do ministro indiano.

Acusarem as mulheres que usam decotes pronunciados, saias curtas, roupas justas e provocantes de quererem chamar a atenção é comum, seguindo-se o comentário arcaico e tacanho do “estava a pedia-las” e outros similares.

 

A culpabilização das mulheres por serem vítimas de violência e assédio sexual é tão estúpido e incoerente como acusar alguém de ser roubado por andar com dinheiro.

 

Não se vá mostrar as notas ou o vizinho do lado poderá sentir-se tentado, não se ande de carro topo de gama não se vá tentar alguém que sempre desejou ter esse carro, não se use o relógio caro não vá alguém achar-lhe piada.

Não se ponha a mulher bonita pois alguém pode molesta-la!

A culpa não é do prevaricador que tem instintos primitivos e criminosos que não controla ou não quer controlar, a culpa é da vítima por estar no local errado à hora errada.

 

Isto acontece porque depois de tantos anos de luta, de tantos direitos e conquistas as mulheres continuam a ser ostracizadas em todo lado, não é só em países e culturas distantes, é no nosso próprio país, no trabalho, muitas vezes em casa, é em todo lado.

É nos detalhes que vê-mos a verdadeira cultura e mentalidade das pessoas, não é nos chavões, nas frases feitas, no bater no peito a apregoar que respeitam as mulheres e os seus direitos, isso é o politicamente correto, o que toda a gente quer mostrar, mas que depois não pratica.

 

Pessoalmente não gosto de ver mulheres (e homens) com roupas demasiado provocantes, não por provocarem, mas porque não acho que seja elegante, claro que cada contexto é um contexto e há exceções, mas se as mulheres querem usa-las estão no seu direito.

Muitas vezes já comentei pejorativamente esta ou aquela roupa, porque acima de tudo aprecio o bom gosto e o bom senso, mas daí a justificar um ataque, um comentário impróprio, um olhar nojento, qualquer tipo de agressão sexual física ou psicológica vai uma longa distância.

 

As mulheres deveriam poder andar como bem entendessem sem serem atacadas, se os homens são como cães ao cio, descontrolados e irracionais, que fiquem ao cadeado ou em jaulas, quem não se sabe comportar em sociedade não deve fazer parte dela.

 

As mulheres deveriam poder andar nuas, se assim o entendessem, sem serem assediadas.

Afinal não são os Homens os seres racionais!?