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Língua Afiada

Estado de graça ou de desgraça? #2 Flexibilidade

Flexibilidade essa palavra parece agora um conceito tão distante, tão distante que já me esqueci do que é.

Nunca fui uma ginasta, mas sempre me orgulhei se ser ágil e flexível e apesar de passar anos sem fazer exercícios específicos para promover a flexibilidade todos os dias usava pequenos truques para a manter, pois faço questão de conseguir chegar facilmente aos pés.

Os truques são simples, nunca me sento para me calçar, levanto sempre os pés à altura necessária para calçar meias e sapatos e baixo-me para apertar cordões, no banho nunca me baixo para lavar os pés, ergo os pés até à altura necessária para os lavar convenientemente e consigo esfregar toda a superfície das minhas costas o que envolve contorcer os braços de várias formas para o conseguir, o mesmo se passa ao colocar creme, outro exercício de ginasta é fazer a depilação, as posições em que me coloco chegam a ser cómicas.

 

Mas estes dias de flexibilidade parecem estar cada vez mais distantes, ontem ao tomar banho percebi que ergo os pés com imensa dificuldade, levantar-me do sofá ou da cama parece agora uma aventura equivalente a equilibrar-me nuns patins em linha.

A única coisa que penso é que se isto é assim com 21 semanas como será com 40?

 

Sempre esperei fazer uma barriga pequena e redondinha, daquelas que passam despercebidas até praticamente o bebé estar cá fora, mas não terei essa sorte, pela amostra irei fazer um barrigão daqueles em que a mulher desaparece e fica só a barriga no seu lugar.

Confesso que é maravilhoso ver a barriga crescer, nos primeiros tempos sabia que estava grávida, mas não me sentia grávida, só quando a barriga ficou proeminente e comecei a sentir o bebé a mexer é que me senti grávida em toda a plenitude.

Mas, e há sempre um mas, o bebé não precisa de uma piscina olímpica para nadar, podia perfeitamente aprender a nadar confortavelmente numa piscina mais pequena, igualmente acolhedora e quentinha.

 

Ainda não nasceu e já é espaçoso, estava preparada para ele ocupar grande parte dos meus pensamentos e da minha vida, mas não estava preparada para ele ocupar todo o meu espaço, isto deve ser preparação psicológica para a ocupação do meu lugar no sofá e na cama quando nascer, espaçosos, já sabemos que eles querem (e nós lhe daremos de bom grado) os melhores spots da casa.

 

É tudo maravilhoso, menos a perda de flexibilidade e as pontadas nas costas e as cólicas renais, essas sim dispensava-as bem, as cólicas provocadas por gases também não fazem cá falta nenhuma, mas depois uma pessoa sente um peixinho a passar por baixo da pele e coloca gentilmente a mão na barriga para o sentir e sorri, estupidamente sorri e tudo passa.

As contradições da gravidez são abismais e depois ainda se admiram que sejamos uma bomba de nitroglicerina prestes a explodir a cada oscilação, não é para menos, não é para menos.

Estado de graça ou de desgraça?

Só para esclarecer, estou muito, mas mesmo muito feliz por estar grávida, tanto que tenho dificuldades em transpor em palavras o que sinto, sempre descrevi melhor a tristeza que a felicidade, posto isto, estar grávida não é doença, mas também não é o paraíso.

Sou uma grávida alegre e bem-disposta, até contrasto com algumas grávidas que vou encontrando, umas cabisbaixas e tristes, outras muito ansiosas, outras indispostas e queixosas, outras apáticas, não há grávidas, nem gravidezes iguais e nem todas temos de estar radiantes, felizes e animadas a toda a hora, ter um ser dentro de nós que nos altera corpo e mente não é fácil.

 

A principal desgraça da gravidez são as hormonas, são umas infelizes que nunca sabem o que querem e por isso fazem com que fiquemos assim estupidamente inconstantes, ora eufóricas, ora tristes, capazes de chorar com uma qualquer publicidade parva que não lembra ao menino Jesus.

A segunda desgraça, pelo menos para mim, são os intestinos, preguiçosos, tão preguiçosos, os coitados têm mais sono que eu! Não gostam nadinha de trabalhar, encostam-se ali nos costados a dormir sonecas constantes e só com bombas de fibra, mesmo ao estilo tratamento de choque é que trabalham.

A terceira desgraça são as pessoas, as pessoas são uma desgraça. Ponto. Poderia terminar a frase assim, mas vamos elaborar, por cada pessoa fofinha que encontro, encontro uma ou mais que gostam de muito de duas coisas ou de colocar medo ou pressão numa grávida, as maravilhas que se vão ouvindo, precisamente quando temos menos paciência.

E chegamos à quarta desgraça, a paciência que resolveu tirar férias e sabe-se lá quando voltará, só tenho pena de não ter ido de férias com ela, mas não posso e por isso cá me aguento.

O que me deixa mesmo triste e zangada é que as pessoas que mais enervam as grávidas são precisamente mulheres que já estiveram grávidas, se me enerva que algumas pessoas pintem um quadro de flores e unicórnios, fico fula com as mulheres que só mencionam coisas más, seja da gravidez, seja do pós-parto, seja na convivência com o bebé, a sério que querem que uma grávida sofra de ataques de ansiedade? É preciso serem tão gráficas? É preciso descreverem tudo de olhos arregalados e com uma expressão de morte?

Felizmente que tenho perto de mim pessoas equilibradas e ponderadas, que me vão dando conselhos e alertando de uma e outra coisa e principalmente que me falam de coisas práticas e objetivas para me facilitarem a vida.

 

As mulheres supostamente são muito práticas, mas no que toca ao assunto gravidez gostam porque gostam de complicar, entendam de uma vez as pessoas, os organismos e os bebés não são todos iguais e por isso é impossível que as gravidezes sejam todas iguais.

Julguem menos, a última coisa que uma grávida precisa é que alguém a acuse de estar indisposta ou que diga que é queixinhas porque a prima do cunhado do tio esteve muito, mas muito pior.

E por favor não digam a uma grávida indisposta que devia estar a dar pulos de felicidade, sujeitam-se a levar uma resposta torta, suportar um ataque de lágrimas ou levar um par de estalos para aprenderem a estar calados.

Não se esqueçam que as hormonas são tramadas.

Homens entendam as hormonas femininas

As hormonas femininas são uma como bomba de nitroglicerina, altamente instável e pronta a explodir a qualquer deslize.

Para que os homens entendam como isto se processa vou (tentar) fazer uma analogia do nosso corpo ao motor de um automóvel 1900 TDI.

 

O nosso corpo funciona através de uma série de reações bioquímicas que colocam tudo em ação, as hormonas são uma espécie de óleo de motor que mantêm o corpo saudável, as hormonas femininas responsáveis pelo aparelho reprodutor feminino funcionam como a água do radiador, servem para arrefecer o motor, atuam em conjunto com a ventoinha quando o motor aquece demasiado prevenindo que a junta da colaça vá à vida e o veículo pare para manutenção.

Quando a água é insuficiente no radiador e o sistema não refrigera em condições, o motor aquece e para, quando as hormonas femininas se descontrolam todo o corpo sofre, não para, mas muda, para pior.

 

Quando as mulheres têm por algum motivo uma alteração hormonal, pode ser a frequente TPM, gravidez ou uma desregulação hormonal o nosso organismo fica quase sem água no motor, ou seja, o motor tem água suficiente para fazer o mínimo de km até chegar à garagem, a temperatura está ali nos 90 graus mesmo prestes a entrar na red line, se não acelerarem demasiado conseguem chegar ao destino, se acelerarem um bocadinho mais a temperatura passa os 90, o radiador fica sem água, a junta da colaça estraga-se e o carro deixa de andar.

 

É neste ponto que deixamos de ser responsáveis pelas nossas ações, dizemos o que nos vem à cabeça, fervemos por dentro e por fora, gritamos, choramos e somos donas da verdade e ninguém tem o direito de nos chamar à razão, fazer isso é o mesmo que forçar o motor e partir a correia de distribuição.

Discutir com uma mulher neste estado é o mesmo que estragar segmentos, turbo e pistões, ou seja, quando terminarem a discussão irão precisar de um motor novo, zero km.

Portanto na próxima vez que acharem que a vossa namorada ou esposa estiver com as hormonas alteradas não pisem no acelerador, desembraiem o carro e deixem-no ir com o lanço, travem suavemente e estacionem calmamente sem acelerações bruscas, piões ou ultrapassagens, uma condução suave e defensiva de modo a evitarem acidentes.

 

Quais os sintomas da falta de água no radiador?

É fácil é só olhar para a temperatura, todos os carros têm um manómetro para isso, as mulheres também, chama-se rispidez.

Se algum elemento feminino vos dá uma resposta ácida não frequente sem motivo (não contam para este exercício respostas a perguntas que vocês já sabem as respostas mas insistem em perguntar como crianças de 5 anos), já sabem que a mulher está sob stress.

 

O que fazer?

Calmamente dizem:

- Desculpa amor não queria interromper-te.

(Mesmo que elas não estejam a fazer aparentemente nada, estão a pensar, as mulheres estão sempre a pensar.)

 

Atenção interromper-te não é sinónimo de chatear-te ou irritar-te, não confundir.

Nunca, em caso algum, dizer algo como:

- Já vi que estás irritada!

- Não se pode dizer nada.

E afins, não tentem testar, não funciona.

 

E aguardam uma resposta.

 

Tipo de resposta 1:

- Desculpa, hoje estou stressada.

- Hoje não estou nos meus dias.

Ou algo do género é porque o caso não é grave, mas ficam de sobreaviso, se ela continuar a falar ouçam-na e prestem o vosso apoio, um abraço também é aconselhável, atenção estamos a falar de um abraço sentido e não um abraço com segundas intenções.

 

Tipo de resposta 2:

Respondem qualquer coisa ainda mais ácida ou um olhar fulminante.

Não voltem a responder.

Calem-se, deixem-na falar se ela quiser falar, se ela se mantiver calada deixem-na sozinha.

Mas nunca, em caso algum, comecem uma discussão com ela depois deste diálogo, para vosso próprio bem, não sigam esse caminho porque nunca conseguirão ganhar essa discussão mesmo que tenham razão.

 

Se se sentirem tentados em discutir lembrem-se que um motor novo é extremamente caro, um motor retificado é sempre um motor retificado e nem sempre o trabalho fica bem feito, um motor da sucata é sempre, logicamente, da sucata e transmite sempre uma sensação de incerteza, todos estas reparações envolvem altos custos de mão-de-obra especializada paga a peso de ouro para que o carro fique com o motor a 100% por isso mais vale estarem atentos à temperatura porque até uma junta da colaça é cara.

Todas estas reparações envolvem estacionar o carro na oficina por uns dias o que causa imensos transtornos.

E é uma chatice ter-se um carro e não poder conduzi-lo, digamos que aumenta o stress e diminui a conta bancária.

 

Homens, nas relações em caso de dúvida pensem sempre na vossa mulher como um carro de alta competição, com muitos cavalos, alta cilindrada, muito agradável de conduzir, mas quando derrapada, derrapa mesmo e por melhor condutor que sejam a direção irá sempre para onde bem entender, não adianta travar, contra brecar, reduzir porque irão efetivamente espetar-se a alta velocidade.

E lembrem-se que no final serão vocês a necessitar de reparação, pois momentos antes do embate elas passam a condutor e vocês a veículo.