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Língua Afiada

Confusões, complicações e estupidez humana

As pessoas são complicadas, muito, faz parte da condição humana, faz parte do nosso crescimento, evoluir, amadurecer, mudar de opinião, a própria vida, as nossas experiências mudam-nos, moldam-nos, somos seres adaptáveis e ainda bem porque só assim conseguimos sobreviver e prosperar.

Somos a espécie mais inteligente, a única com consciência, é essa mesma consciência que nos leva a questionar de onde viemos e para onde vamos, que nos faz divagar sobre os dilemas do universo, que nos confere ideias, pensamento próprios, livre arbítrio e capacidade de decisão lógica e analítica que se sobrepõe ao instinto, essa caraterística inata que parece em vias de extinção em tantas situações.

 

A grande questão da humanidade, no entanto, não é uma questão complicada, é tão simples, tão risória, que chega a ser uma anedota, com tanta inteligência e superioridade intelectual como é que os humanos são a espécie mais estúpida?

Não falo das grandes questões, como termos sociedades altamente desenvolvidas e permitirmos que existam pessoas, semelhantes a nós, exploradas, escravizadas, mutiladas, privadas dos direitos básicos como acesso a água e comida, há muito que perdi a fé no altruísmo, os humanos são egoístas e só se preocupam com outros depois de verem supridas as suas necessidades, curiosamente neste campo o instinto continua a ser mais forte que a razão e a lógica.

 

Refiro-me a pequenas coisas, simples atos que as pessoas têm, completamente ilógicos e irrefletidos que prejudicam a sua vida e a dos outros, aquela decisão parva que faz com que se desencadeie uma série de eventos desagradáveis completamente evitáveis.

 

A decisão de atender o telemóvel enquanto se conduz, infringindo a lei e a lógica, conduz-se apenas com uma mão, com a cabeça de lado, até se tem opção de alta voz, mas os hábitos são tramados e encostamos o aparelho ao ouvido e lá vamos a colocar a nossa vida e a dos outros em risco, mais à frente há alguém que para com os quatro piscas, desviamos um pouco curso e quando nos preparamos para ultrapassar arrancamos a porta do carro que parou e quase que atropelamos o condutor que saiu do carro como se lá dentro estivesse um enxame de abelhas a ataca-lo.

A porta voa disparada e estilhaça a montra da padaria, derruba o pequeno-almoço dos fregueses matinais e há um que é atingido em cheio, ficando ferido. Dá-se uma zaragata total, apontam-se culpados, mas quem sofre é o pobre cliente da padaria que estava a tomar o pequeno-almoço descansado.

Nesse dia a padaria não trabalhou, encerrada por motivos de segurança, o condutor que falava ao telemóvel perdeu uma importante entrevista de emprego, o condutor do carro parado com os quatro piscas perdeu uma reunião decisiva para a conclusão de um negócio, a sua filha perdeu o teste de português e o ferido ficou com uma mazela para toda a vida.

 

Ao mesmo tempo há alguém que mesmo sabendo que está atrasado, que é importante entregar o relatório a horas, resolve procrastinar mais uma hora, percorre com os olhos apressados os jornais do dia, buscando inspiração para terminar com uma brilhante conclusão, o tempo passa e a conclusão não chega.

Entrega o relatório 3h mais tarde que o previsto, já da parte da tarde, o seu chefe faz uma revisão apressada e submete o relatório ao cliente. Uns dias depois o cliente recusa o pagamento porque o relatório levou-o a cometer um erro que lhe custou algumas centenas de euros, que o obrigou a despedir dois funcionários que não detetaram o erro atempadamente, enquanto isso na empresa consultora é despedido o estagiário por falta de verbas.

 

Todas as ações têm consequências, desencadeiam um processo, podem não ter consequências tão drásticas ou tão visíveis, mas têm consequências, por isso porque é que a espécie humana, a mais inteligente, a mais preparada, continua todos os dias a tomar decisões estúpidas?

 

Porque nós nascemos do caos e só estamos bem no seu meio, a complicar o que é simples, a criar confusões onde elas não existem.

 

Não vou tentar arrancar isto com os dentes, ainda parto um dente, 10 segundos depois está a tentar arrancar a rolha com os dentes e meia hora mais tarde no consultório do dentista.

 

Felizmente que apenas 0,00001% das decisões parvas que tomamos, algumas com total consciência que são erradas, acabam por correr muito mal, podemos agradecer às probabilidades, ao universo, ao cosmos, a qualquer ordem superior, caso contrário há muito que estaríamos extintos pela nossa estupidez.

Redes sociais e a extinção das relações humanas

As redes sociais, impulsionadas pelas tecnologias móveis, ignoram o sistema pessoal de autocrítica e conferem a sensação de onipotência, com sérias consequências a nível social.

 

A comunicação digital está a colocar em perigo a comunicação verbal, especialmente entre os jovens, um estudo da Universidade de Michigan chegou à conclusão que alunos que passam muito tempo nas redes sociais, não só perdem o contato com a realidade, como perdem a capacidade de empatia e compaixão.

Esta falta de empatia faz surgir um novo tipo de vergonha, a vergonha da exposição e humilhação públicas por via das redes sociais, o motivo para o aumento significativo de bullying através da Internet, reside no facto de as pessoas sentirem que têm poder para publicar o que quiserem, como quiserem, sem consequências, não havendo preocupação com os sentimentos que as suas palavras causarão nos visados.

As redes sociais, impulsionadas pelas tecnologias móveis, ignoram o sistema pessoal de autocrítica e conferem a sensação de onipotência, com sérias consequências a nível social.

Uma foto que tiramos a um desconhecido numa situação caricata pode tornar-se viral, interferindo a uma escala global com a sua vida, arruinando completamente a sua autoestima e criando dificuldades na sua vida pessoal e social, familiar e profissional.

 

situações onde por receio de serem as próximas vítimas, jovens que recriminariam certo tipo de conduta acabam por contribuir para a sua propagação.

 

Estar atrás de um ecrã dá uma falsa sensação de proteção, faz com que as pessoas percam os filtros e ganhem uma “coragem” virtual que os faz ter atitudes e proferir declarações que não teriam e diriam se estivessem na presença das pessoas, pois a vergonha, o receio de uma reação seriam um travão e um controlo dos comportamentos e palavras.

Offline existem um conjunto de normais sociais, mais ou menos interiorizadas que se traduzem na aceitação de determinados comportamento e recriminação de outros, essas normas parecem ficar à porta da sociedade online, onde o bom sendo, a educação e o politicamente correto são substituídos pela noção de que nas redes sociais se pode dizer tudo o que se pensa.

Estes comportamentos são especialmente perigosos na pré-adolescência e adolescência, altura em que definimos a nossa personalidade e testamos a nossa forma de interagir com os que nos rodeiam, o receio de não ser aceite em determinado grupo aliado à noção de poder aumenta consideravelmente o efeito de contágio de certas publicações e comportamentos, situações onde por receio de serem as próximas vítimas, jovens que recriminariam certo tipo de conduta acabam por contribuir para a sua propagação.

 

o sentimento de bem comum foi subjugado pela cultura do eu, e a construção de relações duradoiras e estáveis deu lugar à satisfação instantânea e passageira do número de gostos e comentários.

Estamos perante dois problemas gravíssimos, se por um lado as pessoas cada vez mais ativas socialmente nas redes sociais demonstram falta de capacidade de se relacionarem pessoalmente, por outro lado essas mesmas pessoas estão a perder caraterísticas essenciais à construção de uma sociedade justa, compreensiva, coesa e feliz, o sentimento de bem comum foi subjugado pela cultura do eu, e a construção de relações duradoiras e estáveis deu lugar à satisfação instantânea e passageira do número de gostos e comentários.

 

a linguagem corporal tão importante como a escrita e a falada está em perigo de perder a sua importância

Paralelamente a esta crise de valores, a transição das interações sociais do real para o virtual cria ainda dificuldades ao nível da linguagem corporal, quando falamos com alguém não dizemos apenas palavras, todo o nosso corpo comunica, os gestos e as expressões que fazemos são um complemento essencial à comunicação, muitas vezes dizemos uma coisa e todo o nosso corpo comunica outra, é assim que percebemos que um familiar ou amigo que diz estar bem, não está, porque a sua linguagem corporal diz-nos o contrário.

As novas gerações ao relacionarem-se quase exclusivamente online, é comum ver jovens que estão lado a lado, mas que comunicam pelo telemóvel, rindo-se para os ecrãs e enviando constantemente mensagens uns para os outros, perderão essa capacidade de reconhecer e exprimir emoções corporais, a linguagem corporal tão importante como a escrita e a falada está em perigo de perder a sua importância, prejudicando grandemente a capacidade de as pessoas exprimirem e reconhecerem emoções.

 

A estas mudanças nos comportamentos sociais há ainda que acrescentar que apesar de as novas formas de comunicação serem em grande escala escritas, a capacidade de compreensão e interpretação de textos não acompanha esta tendência, pois há cada vez mais dificuldade em ler textos longos e explicativos e especialmente uma grande dificuldade em reter mais do que um dado do mesmo texto.

O consumo rápido de informação que se traduz na leitura do título e depois numa leitura na diagonal, não retendo, não analisando qualquer informação, não exercita a capacidade de compreensão, nem a memória, levando a erros de interpretação e julgamento, a par com a crescente dificuldade de distinguir conteúdo de publicidade e notícias verdadeiras de falsas.

 

O que hoje acontece é que não existe compreensão, mas existe muita interpretação e muita descontextualização.

 

Fala-se em problemas de interpretação, ler um texto e retirar dele uma interpretação sempre foi uma dificuldade, talvez porque o modelo de ensino da língua portuguesa não estimule a criatividade e pensamento crítico, mas para interpretar um texto é preciso primeiro compreende-lo, interioriza-lo, só depois disso é que podemos interpreta-lo com base nos nossos conhecimentos e experiência.

O que hoje acontece é que não existe compreensão, mas existe muita interpretação e muita descontextualização.

As pessoas estão a perder a capacidade de comunicação pessoal, as relações pessoais estão a ser substituídas por relações virtuais, empatia e compaixão, valores base de qualquer sociedade equilibrada, estão a desaparecer, a compreensão escrita deu lugar à interpretação sem critério e há um sentimento de impunidade dos comportamentos virtuais.

 

É este o caminho que queremos traçar?

O que nos espera?

Um futuro sem empatia, misericórdia, amizade, caridade, amor, calor humano, abraços, beijos, afetos?

É este o legado das novas tecnologias?

Um mundo frio, sombrio e desprovido de emoções reais?

Não há nada mais importante do que as relações humanas, são a estrutura da sociedade que sustenta tudo o resto, sem relações humanas caminhamos a passos largos para a extinção da humanidade para darmos lugar a seres ligados às máquinas, experienciando a vida dos outros sem nunca terem vivido a deles.

 

Quanto mais nos relacionámos virtualmente, quanto mais tempo passamos nas redes ditas sociais, menos seres sociais (humanos) somos.

 

Nike lança hijab para as atletas muçulmanas

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A mais recente aposta da Nike está a dividir a opinião pública, enquanto mulheres muçulmanas aplaudem a iniciativa que passa a dar-lhes a oportunidade para fazer desporto com equipamento adequado, as mulheres do ocidente indignam-se com a marca acusando-a de promover a exclusão da mulher.

A Nike Pro Hijab foi apresentada como sendo um grande passo para as atletas islâmicas que queiram conjugar religião e exercício físico.

Do projeto, desenvolvido em conjunto com várias atletas, resultou uma peça que funciona como uma “segunda pele” com orifícios para a respiração, mantendo a opacidade. O vídeo promocional do hijab inclui a basquetebolista Amal Mourad, a pugilista Arifa Bseiso e a cantora Balquees Fathi.

 

Esta é uma notícia que desperta em mim sentimentos contraditórios, se por um lado acho que é de louvar que se criem condições para que quem usa hijab pratique desporto de forma confortável, por outro acho errado que se promova seja de que forma for o Símbolo da opressão da mulher.

Será realmente uma boa iniciativa?

 

A questão não se colocaria se a Nike não criasse tanto buzz à volta do assunto, poderia lançar o produto, mas seria necessário divulga-lo desta forma?

Seria, porque os Jogos Olímpicos do Rio no ano passado foram o palco escolhido por várias atletas muçulmanas para reafirmarem a sua vontade em usar o hijab, afirmando mesmo que o seu uso era um passo dado contra o preconceito que os ocidentais têm contra o uso do véu.

Custa-me que pessoas que nasceram, cresceram e vivem no preconceito venham tentar dar lições de preconceito.

Gostava particularmente de ouvir Dorsa Derakhshani, uma jovem iraniana de 18 anos que já obteve títulos de mestre internacional e de grande mestre em xadrez, que raramente comete erros no tabuleiro, mas que cometeu um, fatal, para a Federação Iraniana de Xadrez: não usou o hijab quando participou como jogadora independente no 2017 Tradewise Gibraltar Chess Festival.

 

Não me choca que as atletas queiram usar o hijab, choca-me que o usem com orgulho, quando é o símbolo máximo da opressão da mulher, choca-me que digam que o usam porque querem, quando sabem melhor do que qualquer uma das ocidentais que há muitas mulheres que o usam porque são obrigadas.

Ficou sempre chocada quando vítimas de discriminação compactuam com essa discriminação e não estamos a falar de mulheres de mulheres desinformadas, que vivem fechadas dentro de quatro paredes, são mulheres viajadas, muitas quase independentes, conhecidas, com capacidade de serem ouvidas.

E o que escolhem fazer? Compactuar com a discriminação da mulher, com a opressão, com a obrigação de se esconderem, com a sua despersonalização, para que sejam todas iguais, sem identidade, sem personalidade, para que sejam todas equivalentes na insignificância que lhe atribuem.

Quando quem que poderia fazer algo contra a discriminação, quando quem tem voz e capacidade para chegar a muita gente escolhe o lado o opressor, algo está muito mal no mundo, quando uma marca como a Nike se coloca do lado errado da luta, deixando o lucro sobrepor-se aos seus princípios o mundo está virado do avesso.

 

Não vale a pena tentarem virar a questão ao contrário, não há volta a dar, é muito mais importante a luta contra opressão da mulher, não há nada mais importante do que a luta pelos direitos humanos.

Reitero poderiam até desenvolver o produto, com certeza não são nem serão a única marca com produtos adaptados a um mercado com exigências diferentes, mas fazer disso bandeira? Nunca, erro crasso da Nike.

As mulheres devem ter o direito de usar o que bem entendem, querem usar o hijab usem, mas não me venham dizer que a maioria usa porque quer e muito menos dizer que somos preconceituosos porque não concordamos com o seu o uso, porque o hijah pode parecer apenas uma peça de roupa, mas é muito mais do que isso, é símbolo máximo da opressão e da subjugação da mulher.

Se querem continuar oprimidas e subjugadas é uma opção vossa, mas não queiram que quem acredita na igualdade de géneros concorde com isso.

Não se pode num dia aplaudir Le Pen por recusar usar o véu e no dia seguinte aplaudir uma iniciativa destas, pode-se compreender, mas daí a aplaudir vai uma grande diferença.