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Língua Afiada

A profissão não define as pessoas

Ultimamente diversos meios têm publicado notícias em que se referem às pessoas pelos seus cargos, este tratamento é aceitável quando a profissão é revelante para a notícia, mas quando a notícia não se encontra relacionada com a atividade profissional da pessoa, qual o motivo para referenciarem constantemente a profissão dos visados?

 

Pior do que referirem a profissão é quando a pessoa se encontra desempregada e é constantemente mencionada como o desempregado ou a desempregada, como se o azar de se encontrar nessa situação fosse relevante.

Será preguiça de escrever o nome das pessoas? Será porque não sabem que outro tipo de título usar?

 

É tão redutor limitarem a existência da pessoa à profissão que exercem no momento da notícia, como se o que fazemos nos definisse, como se a nossa vida profissional tomasse conta de toda a nossa vida e nos reduzisse apenas ao que fazemos para nos sustentarmos.

Pode parecer um detalhe, apenas uma forma de nos referirmos a alguém de quem muitas vezes não podemos revelar o nome, mas é mais um sinal que a sociedade dá demasiada importância à profissão, à vida profissional, classificamos as pessoas pelo que fazem e não pelo que valem, reduzimo-las a uma das partes da sua vida, a que atribuímos maior importância.

 

O sucesso profissional, o que fazemos continua a ser visto como uma definição do que somos, passamos a maior parte da nossa vida a trabalhar, mas isso não significa que se deva resumir toda a nossa vida ao que fazemos no campo profissional.

O emprego é apenas uma dimensão da nossa vida, mas há muito mais para além disso, e é frequentemente o que escolhemos fazer nas horas de lazer que nos realiza, preenche e engrandece, pois é nessas horas que temos liberdade para sermos genuínos, sem obrigações, regras e condutas.

E se nessas horas revelamos o melhor de nós, é nessas mesmas horas que revelamos o pior, em que reputados profissionais se revelam uns biltres, uns pulhas, seres absolutamente desprezíveis, pois nem sempre a sucesso profissional é sinónimo de grandeza pessoal, hombridade e honestidade.

 

Não reduzam as pessoas aos seus feitos e desfeitos profissionais, isso não é sinónimo de nada, nem forma de tratar ninguém, se a notícia não é sobre a profissão da pessoa, deixem-na de parte, pois é irrelevante.

Não interessa se foi um professor, um desempregado, um caixa de supermercado, um advogado, um gestor, um telefonista, interessa sim o que fez que é motivo de notícia.

“Casas perfeitas para fazer uma escapadinha discreta com a sua amante” WTF?

Não, não é o título de um romance de cordel, é o título de uma notícia.

A NiT que por acaso é uma publicação que sigo e que costumo ler com regularidade, estava a ficar com falta de títulos chamativos e resolveu dar este a uma lista de locais recônditos onde passar uma noite romântica.

Locais à parte, que são lindos e merecem uma visita, o título da notícia e o texto são desconcertantes.

 

Na última vez que me informei adultério é crime e para além de ser crime não é um comportamento aceitável socialmente, ou não deveria ser, especialmente nos casos onde a pessoa traída não sabe que o é, o exemplo dado na notícia.

 

“Este texto foi pensado para os leitores que passam muitas noites fora de casa sob o pretexto de que têm viagens de negócios super importantes. Não temos nada a ver com isso e nem sequer vamos entrar num debate moral sobre isso. Até porque pode muito bem ser verdade. Vamos limitar-nos a dar soluções para o caso de estar entediado — da vida, do emprego, do que o rodeia — e precisar de um sítio escondido onde ninguém o consegue encontrar.”

 

O texto está tão carregado de estereótipos, preconceitos e ideias preconcebidas, que só faltava mesmo descrever o marido como galã, a esposa como totó e a amante como sexy.

Para além do teor sexista e machista como só os homens tivessem direito a uma escapadinha do tédio da vida, há ainda uma caraterização do sexo masculino que traí, homem de negócios, com uma vida preenchida, supostamente com monotonia em casa e com predisposição para trair.

 

Depois de ler as observações aos locais sugeridos ainda fiquei ainda mais abismada, atentem nas preciosidades:

“Pronto, não precisa de dois quartos, mas o que interessa mesmo é aquele que fica no último piso, em open space.”

“Não se preocupe, estão suficientemente longe uma das outras.” Referindo-se a existirem várias casas.

“(caso se sinta suficientemente seguro para dar uma voltinha)” referindo-se a atividades disponíveis nas imediações.

“dois quartos — quando ficar farto de um, já sabe que tem o outro. É que isto de estar sempre dentro de casa também cansa.”

 

Bem sei que sugestões destas não fazem ninguém trair, a predisposição para isso já tem de existir, no limite pode ser a último incentivo para isso, mas este tipo de notícias dá legitimidade ao comportamento, é uma espécie de bênção pública, a autora escusa-se de julgamentos morais, mas ao fazer esta notícia já o faz, faz parecer um comportamento normal, aceitável e esperado, que só por isso seria mau, mas ela confere-lhe ainda o toque machista para ficar ainda pior.

Esta notícia faz lembrar as publicações dos anos dourados, quando as mulheres liam revistas de boas maneiras e as revistas de negócios estavam reservadas aos homens que dedicavam mais tempo às secretárias do que às esposas.

A tudo isto ainda acresce o estigma que uma noite a sós num local edílico está reservada para a amante como se um casal de esposos ou de namorados não pudesse querer esconder-se do mundo e ter uma noite de amor.

 

A esta altura não esperava que uma mulher escrevesse um texto destes, é demasiado mau.

Não, não é falta de sentido de humor, porque o texto não é humorístico, nem sequer tenta ser engraçado, é mesmo só totalmente descabido.

A irresponsabilidade jornalística nas peças sobre vacinação

Que o jornalismo tem deixado muito a desejar estamos cansados de saber, é triste, mas a luta constante por fundos, angariação de publicidade, faz com que sejam disparadas notícias abruptas com títulos chamativos, muitas vezes que não relatam sequer o conteúdo da notícia, tudo se faz pela venda ou pelo click.

Mas há limites para tudo, especialmente para a irresponsabilidade, quando uma publicação duvidosa publica um título escandaloso já não estranhamos, mas há publicações que nos inspiram mais confiança, que temos como credíveis, a essas não podemos perdoar a irresponsabilidade.

É o caso da notícia avançada hoje pelo jornal Público:

“É mais difícil tomar a opção de não vacinar um filho, mas estou segura do que fiz”

 

É o título do texto, que não é propriamente uma notícia, mas uma espécie de entrevista.

É importante que os meios de comunicação escutem ambos os lados e tenham uma atitude imparcial, mas este título não é imparcial, é totalmente parcial, algo como - A visão de quem opta por não vacinar - seria o correto, este ou tantos outros menos tendenciosos, mas quem sou eu para ensinar um jornal a escrever títulos.

A piorar vem o subtítulo:

«“Decidiram não dar nenhuma vacina aos filhos. Como se protege um filho assim? Tanto Eugénia Varatojo como Manuela Ferreira falam da importância de reforçar o sistema imunitário e manter um estilo de vida equilibrado e saudável.”»

 

A entrevista está carregada de pérolas de ambas as mães:

 

«Tiveram varicela e sarampo ainda na infância. “Curiosamente apanharam as doenças com crianças vacinadas, mas em casa e com tempo recuperaram e eu não culpo os pais dessas crianças”, diz Eugénia.»

 

Não culpa os pais das crianças vacinadas? A sério que não? E porque os culparia? A vacina não elimina a possibilidade de contrair a doença apenas diminui os seus efeitos em caso de contágio.

 

«“E como se protege um filho que não está vacinado? Tanto Eugénia como Manuela falam em reforçar o sistema imunitário e em manter um estilo de vida equilibrado e saudável.”»

 

Reforçam o sistema imunitário fazendo o que a maioria dos pais informados fazem, dando-lhes uma alimentação saudável, mas será que nos estão a contar tudo?

Ou os seus filhos tiveram apenas a sorte de ter um sistema imunitário bom, eu tomei todas as vacinas e nunca fiquei doente, era uma criança extremamente saudável e espantem-se nem sequer bebi leite materno, até ao dia que o meu sistema imunitário foi afetado pelo vírus da hepatite A, a alimentação e o estilo de vida saudável de nada me valeram, sucumbi ao vírus que deixou sequelas no meu fígado até o mesmo estar totalmente formado, até aos 16 anos tive que evitar uma série de alimentos porque me faziam dores de barriga.

 

«Manuela diz não perceber as críticas que lhe são feitas. “Se virmos bem, quem está em maior risco até é a minha filha que não está vacinada e, por isso, não vejo que esteja a pôr ninguém em risco. Dar-lhe as vacinas também não era garantia de que não tivesse as doenças. Não gosto quando se fala em passar a ser obrigatório darmos as vacinas. Eu não sou dona da minha filha, mas sei tomar as melhores opções para ela.”»

 

Não vê onde possa estar a por em risco as outras crianças, que não vê já nós sabemos se visse teria vacinado.

Apesar da extensa pesquisa que diz ter feito, não deve ter percebido o mais importante como funcionam as vacinas, o objetivo não é eliminar a possibilidade de contrair a doença mas limitar os seus danos, mais uma vez batemos na mesma tecla a falácia do – as vacinas não evitam as doenças.

 

«“Ainda assim, Manuela admite que possa vir a rever a sua posição em casos particulares, como uma viagem para países tropicais, com doenças mais graves.”»

Doenças mais graves, mais graves porque as pessoas desses países não têm acesso a vacinas, mas por acaso alguém já parou para pensar o que aconteceria se ninguém tomasse vacinas?

 

O que falta a estes pais e à população em geral?

Memória, memória das mortes por sarampo e as sequelas cerebrais irreversíveis que ele deixava.

As pessoas têm de entender que enquanto existirem pessoas não vacinadas os vírus não serão erradicados ou controlados, enquanto países subdesenvolvidos desesperam por vacinas para diminuir a mortalidade infantil e as más formações nos fetos, os privilegiados pelo desenvolvimento brincam com a saúde dos seus filhos e com a dos outros.

Portugal tem uma taxa de vacinação superior à europeia e tem uma taxa de mortalidade infantil inferior à europeia, nos últimos anos existiu uma forte aposta na prevenção e no programa de vacinação, acham que as duas estatísticas são mera coincidência?

Não, não são, são fruto de muito trabalho, muita investigação e muito dinheiro gasto nas vacinas.

 

Quanto aos esquemas financeiros das gigantes farmacêuticas, eles existem, mas não nestas vacinas, basta pensar mais do que dois minutos na cadeia da saúde, os valores gastos na prevenção são infinitamente mais baixos do que os valores gastos nos tratamentos, as farmacêuticas não têm qualquer vantagem em fomentar a vacinação.

Veja-se um exemplo, o Estado terá gasto 14 milhões de euros com a administração gratuita da vacina contra o cancro do colo do útero.

Segundo um estudo da Escola Nacional de Saúde Pública o Estado gasta 40 milhões de euros por ano com o diagnóstico e tratamento de doenças causadas pelo HPV. Só o cancro do colo do útero custa 27 milhões de euros.

A vacina é dada duas vezes na vida, o valor anual com a vacinação diminuirá com os anos pois serão apenas vacinadas as meninas aos 10 anos e posteriormente aos 13, enquanto numa primeira fase foram vacinadas as crianças nascidas em 1995 e posteriormente as nascidas em 1992, 1993 e 1994, havendo um maior esforço financeiro do Estado.

Façam as contas o que é mais lucrativo para a indústria farmacêutica? A vacina ou o tratamento?

 

Quanto ao jornal Público, no que diz respeito a um assunto que coloca em causa a saúde pública deveria ter mais cuidado na forma como transmite a informação, pois não só importa a informação transmitida, mas a forma como é transmitida.

Faltaram ainda perguntas pertinentes e incómodas que seriam de esperar num artigo deste teor, como por exemplo como reagiriam se um dos seus filhos morresse por falta de uma vacina?

Ou onde encontraram a informação dos efeitos secundários das vacinas e que efeitos levaram a essa tomada de decisão, mas isso seriam questões incómodas e as mães poderiam não se sentir à vontade para responder.

Tratam o tema com uma leveza que chega a ser leviana quando em causa está a saúde de todos nós.