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Língua Afiada

Voltar a ser Mulher depois de ser Mãe

"esse amor imensurável veio acompanhado de um medo desmedido e incompreensível."

 

Os primeiros dias foram repletos de emoções, um amor que transbordava dentro de mim, que não cabia sequer dentro do peito tomou conta de todo o meu ser, já me sentia mãe há muito tempo, mas foi ali no momento em que te vi sair de dentro de mim e te tomei nos meus braços que me tornei efetivamente mãe e esse amor imensurável veio acompanhado de um medo desmedido e incompreensível.

Na primeira noite não dormi, na segunda os meus olhos fecharam-se por alguns instantes, apenas para logo se abrirem para assegurar-me de que estavas bem. Nunca desejei tanto a minha casa, a minha cama, o meu chuveiro, os meus objetos, os meus cheiros, o meu mundo que agora seria o teu.

 

"é fácil esquecermo-nos de nós, é muito fácil esquecermo-nos que a vida não se resume a ser mãe"

É incompreensível como um ser tão pequeno e tão frágil enche uma casa, mas a casa passou a ser tua e pensada para ti, a logística foi-se aprimorando durante os dias e chegamos a um meio-termo, conseguimos que nem toda a casa fosse exclusivamente tua, mas foi difícil, ainda hoje é, mas não é necessariamente mau, gosto de olhar e perceber que aquele brinquedo ou aquela fralda de pano está ali porque existes na minha vida e a minha vida ficou muito mais rica contigo.

Os primeiros dias são uma loucura, é uma rotina impossível, sonos tão curtos, necessidades que tão prontamente têm de ser atendidas, é fácil esquecermo-nos de nós, é muito fácil esquecermo-nos que a vida não se resume a ser mãe, principalmente porque não conseguimos deixar de ficar embebecidas com qualquer coisa que o bebé faça, tudo é especial, o mais pequeno gesto arranca-nos suspiros e os sorrisos enchem-nos de tanto orgulho e amor que ficamos estarrecidas, embasbacadas e sem palavras.

 

"Voltar a ser Mulher depois de ser Mãe nem sempre é um processo natural"

Necessitamos de tempo para nós, mas as nossas necessidades ficam sempre para último lugar, depois de cuidar do bebé é preciso tratar de uma série de coisas para garantir que o bebé tem tudo o que necessita, entre compras, roupas e tarefas domésticas, sobra pouco tempo para sermos nós e na maioria dos dias nem nos lembramos disso.

Voltar a ser Mulher depois de ser Mãe nem sempre é um processo natural, estamos de tal forma envolvidas e dependentes da nossa cria, acho que a certo ponto os papéis se invertem, as mães ficam mais dependentes dos bebés do que os bebés das mães, que é difícil enquadramos na nova rotina toda a nossa vida.

 

"Respiramos fundo e fazemos um esforço para esquecermos que parecemos um trambolho e tentamos ficar o mais apresentáveis possível."

No meu caso, o primeiro grande esforço que fiz foi para manter a vida social, ficar em casa para além de não ser saudável, afasta-nos das pessoas e é importante ter vida social para além do bebé, confesso que muitas vezes pensei que seria mais fácil recusar convites e ficar em casa, a logística para sair era imensa, ainda é, mas não iria cair no erro que tanto criticara, não caí, muitas vezes saí contrariada, mas saí, ficar em casa não podia ser a opção.

Não é fácil ir a festas, encontros, jantares sendo mãe há poucos dias ou meses, ultrapassada a logística do bebé é preciso ultrapassar a nossa e essa, com as devidas exceções, creio ser a mais difícil, para além da falta de tempo há que contar com a falta de motivação para nos arranjarmos, abrimos o roupeiro e praticamente nada nos serve, vestir roupa de grávida não abona em nada ao nosso estado de espírito, olhamos ao espelho e aquele brilho que há uns meses atrás exibíamos desapareceu, temos a pele baça, o cabelo desnutrido, os olhos fundos e o semblante carregado de sono, preocupações e tarefas que gostaríamos de ter realizado, mas que ficaram por fazer.

Respiramos fundo e fazemos um esforço para esquecermos que parecemos um trambolho e tentamos ficar o mais apresentáveis possível.

 

"ficamos sempre para último lugar."

O corpo não reage como esperávamos que reagisse, nem com contínuas noites mal dormidas, alimentação a horas incertas e com a incessante sensação de fome e sede o nosso organismo se contraí, pelo contrário, às vezes expande, incha por falta de descanso. Fazemo-nos valer da máxima foram nove meses a crescer, agora serão necessários noves meses para emagrecer.

Tomamos banhos apressados, fazemos um esforço para cuidar de nós, mas nunca temos tempo para o fazer, pensamos é hoje que vou hidratar a pele do corpo, esse hoje nunca chega, o tempo passa, mas nunca chega para nós, a rotina fica mais fácil, mas não há nela lugar para nós, ficamos sempre para último lugar.

 

"Ser Pai também não é fácil"

A Mulher fica para segundo plano e com isso a relação com o marido também, a nossa atenção está no bebé e parece que nada que o marido faça é suficiente, um parêntesis aqui para agradecer ao meu, esteve, está sempre presente, sofrendo horrores com as minhas variações de humor, tem aguentado estoicamente todas as minhas loucuras e devaneios, muitas vezes sem sequer um agradecimento. Amo-te meu amor, sem ti esta aventura não teria sentido, obrigada por estares sempre ao meu lado.

A relação ressente-se, não há maior prova, maior teste a uma relação que o nascimento de um filho, tudo muda, as prioridades estabelecem-se numa ordem completamente diferente e se as mães não têm tempo para si, dificilmente têm tempo para cuidar e mimar os maridos, companheiros.

 

Ser Pai também não é fácil, sabemos bem disso, mas depois pensamos na nossa abnegação e entrega e pensamos para nós é muito mais complicado, será? Não sei, sei apenas que são posições diferentes e igualmente importantes, sei que as mães se sentem frustradas por não conseguirem fazer tudo e os pais sentem-se muitas vezes impotentes por não conseguirem ajudar, cabe a nós inclui-los ao máximo na vida dos nossos bebés, excluí-los só prejudica todas as relações. Ninguém trata do nosso bebé como nós, certo, mas também ninguém trata os nossos bebés como os pais os tratam, mesmo quando lhes vestem as coisas mais engraçadas.

 

"É muito fácil deixar-nos tomar pela culpa e pela angústia"

No meio desta nova dinâmica familiar, é difícil sentir-nos bem connosco, parece que estamos sempre a falhar em alguma esfera, não conseguimos atender a todas as necessidades e esse mito de que é possível ser-se a mãe, esposa, familiar e amiga perfeita não passa de uma utopia perpetrada por mulheres frustradas que gostam de ver as outras ainda mais frustradas que elas.

É muito fácil deixar-nos tomar pela culpa e pela angústia, caso tenham esses sentimentos procurem ajuda, a maternidade é bela, mas não é um mar de rosas, nem sequer um passeio no parque, é um mundo novo, muito atribulado, povoado de incertezas e inseguranças.

 

Voltar a ser Mulher depois de ser Mãe é complicado, com leite a brotar dos seios sem aviso, quilos a mais nos locais menos apropriados, inseguranças, sem tempo para nos sentirmos bonitas, fará desejadas, com mil e um receios, com mil e uma coisas na cabeça, às vezes tudo o que precisamos é de um carinho, de um abraço, mas estamos demasiado cansadas para erguer os braços.

Porque é importante festejar o Dia da Mulher

“O fosso salarial entre homens e mulheres cresceu 4,6 por cento entre 2011 e 2016” em Portugal contrariando a média europeia.

Em Portugal os homens gastam 8 horas por semana em tarefas domésticas, ao passo que as mulheres gastam 21. Também nos cuidados familiares, como o cuidado com os filhos, a divisão de tarefas não é equilibrada. Eles despendem 9 horas por semana, enquanto elas gastam 17. Dados de 2014.

O World Economic Forum alerta: paridade económica só em 2133.

Até existir essa igualdade e outras é preciso continuar a assinalar o Dia Internacional da Mulher, mas não envergonhando as mulheres que lutaram pelos nossos direitos, não a agir como histéricas em debandada em jantares duvidosos reafirmando estereótipos.

As mulheres nunca conquistarão a igualdade a não ser que os homens assim o desejem, o que sinceramente não me parece vir a acontecer, é muito mais conveniente para eles que exista desigualdade, as mulheres nunca conquistarão a igualdade pelo simples facto de não se unirem e lutar por ela.

As mulheres nunca conquistarão a igualdade enquanto centrarem a sua vida nos homens, paparicando-os, correndo atrás deles, inferiorizando-se, pedinchando atenção, sem qualquer réstia de amor-próprio.

O mais difícil já foi conquistado, o direito ao voto, a independência financeira, o direito de pensar pela própria cabeça, agora só falta o mais difícil mudar a mentalidade de vassalagem aos homens e especialmente educá-los para serem homens e não machos e educar as mulheres para serem mulheres e não esposas e mães.

Quando o juiz é carrasco – libertem-se

Ainda sobre o impossível acórdão redigido pelo juiz Neto de Moura vieram agora à luz novos acórdãos não menos repugnáveis e execráveis pelo cunho do mesmo.

Em 2013 o juiz não considerou que um murro desferido a uma mulher que segurava no colo um bebé de apenas nove dias de vida e uma mordida à sua mão fosse violência doméstica.

 

"é manifesto que essa conduta do arguido não tem a gravidade bastante para se poder afirmar que foi aviltada a dignidade pessoal da recorrente [a vítima], mesmo tendo em conta que a assistente estava com o filho (então com nove dias de vida) ao colo", pode-se ler no acórdão. Neto de Moura considerou que o murro teve pouca força, uma vez que o nariz ficou apenas "ligeiramente negro de lado" e que a mão da vítima não apresentava "lesões aparentes."

O homem foi absolvido do crime de violência doméstica e foi condenado por ofensas à integridade física e ao pagamento de uma multa de 350 euros.

 

Em 2016, o mesmo juiz anulou uma sentença de dois anos e quatro meses de prisão em pena suspensa por violência domestica agravada. Qual a justificação dada?

"Uma mulher que comete adultério é uma pessoa falsa, hipócrita, desonesta, desleal, fútil, imoral. Enfim, carece de probidade moral. Não surpreende que recorra ao embuste, à farsa, à mentira, para esconder a sua deslealdade e isso pode passar pela imputação ao marido ou ao companheiro de maus-tratos. Que pensar da mulher que troca mensagens com o amante e lhe diz que quer ir jantar só com ele 'para no fim me dares a sobremesa [sic]'?"

"Revelou-se a denunciante merecedora do crédito total e incondicional que o tribunal lhe atribuiu? A resposta só pode ser um rotundo não. Em boa verdade, a denunciante não é, propriamente, aquela pessoa em que se possa acreditar sem quaisquer reservas"

 

Há claramente uma tendência para a culpabilização da mulher e para desculpabilização do homem, os argumentos para além de grotescos e completamente ao lado da lei e da Constituição representam claramente o ponto de vista de um homem que não tem qualquer respeito pelas mulheres, é este tipo de pessoas que queremos ver a decidir a nossas vidas?

 

Os sermões dados pelo juiz não são apenas representativos a sua mentalidade retrograda, mas de uma profunda empatia para com os agressores, pois a sua moral elástica estica e encolhe conforme lhe é mais conveniente, pois soube desculpar o marido pelo adultério da esposa e que desculpa usou para atenuar a pena do amante? Terá o amante uma conduta mais adequada que a mulher, não será ele falso, hipócrita e desonesto?

E porque não foi ele buscar as leis medievais que puniam os amantes?

E qual a desculpa que ele apresenta para um marido que agrediu a esposa com o seu filho no colo? Que o golpe não foi suficientemente forte? Estava à espera de quê que ele a marcasse para toda a vida?

 

A violência doméstica é um crime com demasiada expressão em Portugal, protegido pelo medo, pela vergonha, pela cultura e quando as mulheres colocam a descoberto os crimes o que é recebem da justiça? Uma lição de moral e uma desculpabilização do agressor.

As penas são curtas, muitas vezes suspensas, as agressões são repetidas uma e outra vez e levam muitas vezes à morte das vítimas, quando algumas se defendem e no desespero acabam por cometer homicídio, raramente o mesmo é visto como legítima defesa e muitas acabam presas.

Como é que uma mulher que é constantemente vítima de agressões físicas e psicológicas, que se vê encurralada pela sociedade, desprotegida pelas autoridades, em desespero defende a sua vida e muitas vezes a dos filhos pode ser condenada?

Que justiça é esta que defende e protege os agressores?

 

Uma pena que em Portugal os julgamentos não sejam realizados por um júri, ao menos assim, as pessoas estariam sobre escrutínio do povo e não de um grupo de elitistas armados em padres pregadores da moral e dos bons costumes do tempo da Idade Média.

Gostava de acreditar que todo este mediatismo servisse para primeiro afastar o juiz em causa e em segundo para lançar o debate sobre o sistema judicial português, o código penal e a forma como as leis são aplicadas, revendo também processos e acelerando-os, pois as demoras nos julgamentos são incomportáveis.

Não acredito que nenhuma das duas aconteça.

 

Como podemos então proteger-nos da justiça, como podemos proteger-nos destes carrascos?

Não permitindo que exista violência sobre as mulheres e isso só as mulheres o podem fazer.

Unam-se, imponham-se, eduquem filhas, irmãs, primas, sobrinhas, amigas, colegas, conhecidas, eduquem-nas para serem fortes, astutas e para nunca, nunca se deixarem amedrontar, denominar e rebaixar por um homem.

E eduquem também os homens para serem nobres, cavalheiros e respeitadores, pois só os broncos, grunhos e medíocres usam a força para dominar outro ser humano.