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Língua Afiada

A falácia dos conteúdos #2

Em Dezembro escrevi sobre a falácia dos conteúdos do ponto de vista dos meios, hoje escrevo sob o ponto de vista das marcas e das agências.

Numa era onde tudo é global, abriram-se novas possibilidades de divulgação, novos meios que criaram novos formatos, impõe-se às marcas que comuniquem de forma diferente e eficiente.

A tendência é a publicidade viral, mas é ainda impossível prever o que irá ou não ser viral, pode-se fazer um vídeo com todos os ingredientes da fórmula e mesmo assim ele não ter o resultado esperado.

O viral anda de mãos dadas com dois conceitos humor e responsabilidade social, são as duas fórmulas mais conhecidas para criar conteúdos virais, todas as marcas querem ser engraçadas e socialmente responsáveis.

O que as marcas e as agências por vezes se esquecem é que esses predicados não podem ser postiços, têm de fazer parte da identidade da marca ou o consumidor perceberá o engodo e o resultado será o oposto.

No mundo das redes socias, basta alguém influente criticar ou denunciar um comportamento e a marca poderá ver a sua imagem sofrer danos irreparáveis.

 

Mas o que fazer para contrariar a resistência que os consumidores criaram à publicidade?

Na televisão o comando é o pior inimigo da publicidade e o segundo é a própria publicidade, blocos publicitários de 10 ou mais minutos são o motivo de pegarmos no comando e mudarmos de canal. É por isso que é frequente vermos nos três canais livres blocos publicitários exatamente nas mesmas horas, uma estratégia para que o telespectador volte o canal que estava a ver.

Começam também a aparecer indicações que a publicidade será apenas de 60 segundos, publicidade paga a peso de ouro.

Mas nem todos estes artifícios conseguem convencer os anunciantes, eles sabem que o telespectador irá mudar de canal e por isso que desdobram-se em patrocínios, ações de soft sponsoring, product placement e anúncios publicitários com os apresentados dos programas ou com os atores das novelas, interferindo nos programas sem qualquer respeito por quem os vê, os seus potenciais clientes.

Os anunciantes aproveitam todos os meios que os canais lhe disponibilizam e lhe garantem ser eficazes, mesmo que não o sejam.

Nas publicações o cenário não é diferente negoceiam páginas de publicidade em troca de publicação de conteúdos, publicidade muitas vezes dissimulada mas que garante a presença do anunciante.

 

O que é que as marcas fazem? Aceitam todas estas formas de publicidade que não respeitam os direitos dos consumidores porque o que interessa em última instância é vender.

Vivem da máxima falem de mim, mal ou bem falem de mim, um erro, um erro crasso.

Portugal precisa de marcas com identidade, com peso, carácter, história, não de anunciantes despreparados, ocasionais e pretensiosos.

Este é o grande dilema dos profissionais de marketing, quer sejam agências ou colaboradores internos das empresas, como divulgar uma marca, produto ou serviço de forma contínua, coerente e eficaz?

 

A primeira premissa é ser fiel à identidade da marca, a segunda é não ceder à tentação da divulgação fácil, como trocar reportagens por uma página de publicidade, comprar cartões em programas televisivos por serem a opção mais económica, comprar anúncios em sites cujo público não é o seu.

Sempre se ouviu dizer que o barato sai caro, na publicidade não é diferente, fazer 15.000 flyers porque a gráfica está com uma promoção não é boa ideia se não tiverem o que divulgar nesses flyers.

 

Em Portugal temos maus gestores, já todos sabemos, esse é mesmo o maior problema deste país, a falta de capacidade para gerir as contas e os investimentos, há toda uma cultura de desenrasque que limita o planeamento a longo prazo, essa é a realidade das pequenas empresas. Mas as grandes empresam também apresentam muitas vezes comportamentos míopes, não faltam exemplos, especialmente quando falamos dos novos formatos de comunicação.

O exemplo mais flagrante é o contacto com os bloggers, pensar que enviar conteúdo pré-definido aos bloggers mais influentes para que estes divulguem todos da mesma forma é boa estratégia, é simplesmente parvo, quem é que quer ver exatamente o mesmo texto em 5 ou 6 blogs diferentes? Patrocinar conteúdo sem análise prévia outro erro, ainda maior.

 

Recordo-me de dois casos, um anúncio de um automóvel que foi publicado como sendo viral, seria se tivessem escolhido um blogger de peso e não vários e um serviço de take-way em que uma das bloggers contactada resolveu fazer de conta que tinha sido uma coincidência, quando todos os outros assumiram o patrocínio.

Claramente aqui o erro mais do que dos bloggers, que supostamente não têm conhecimentos de estratégias de marketing, é da marca ou da agência que demonstra um total desconhecimento do meio e do seu público.

 

Fazer publicidade é muito mais do que aparecer, é uma estratégia que deve estar alinhada com todas as outras estratégias da empresa, publicidade é apenas um dos P’s do marketing e ter uma estratégia de marketing é muito mais importante do que aparecer na revista, programa ou blog da moda.

Enquanto as empresas não encararem o marketing como filosofia de gestão e não apostarem em pessoas qualificadas para o fazer continuaremos a ter este problema, anúncios despropositados, desalinhados que se traduzem em fracassos que apensa servem para desperdiçar dinheiro em vez de serem um investimento.

 

É importante que as empresas tenham uma estratégia de marketing para a marca, produto ou serviço, porque fazer publicidade é muito mais do que dar a conhecer é criar empatia, é seduzir, cativar, fidelizar.

Escapem desta falácia de ter conteúdos, é melhor não ter conteúdo do que ter conteúdo prejudicial à identidade da marca e da empresa.

Apostem na formação em marketing, mas de qualidade, porque marketing não é publicidade, marketing não é vendas, marketing não é enganar, marketing é orientar toda a estratégia da empresa para a satisfação do cliente, atuando em todas as envolventes da empresa para que esta seja sustentável por vendas a clientes satisfeitos e fidelizados.

 

Quando o fizerem talvez o consumidor percecione a publicidade tal como ela deveria ser, informativa e verdadeira.

A falácia dos conteúdos #1

Antes de mais importa definir o que é o conteúdo:
Conteúdo é tão abrangente quanto as áreas existentes passíveis de serem preenchidas, tudo pode ter conteúdo, o frasco, o texto, o programa, a música, até as pessoas, tudo é conteúdo mesmo que não exista conteúdo nenhum.


Em comunicação, conteúdo é um termo utilizado para identificar o que preenche a sua forma, grelhas televisivas, linhas editoriais, páginas de internet, programas de rádio.


Os meios de comunicação têm espaço disponível para divulgar a determinada audiência, o que se mostra nesse espaço tem basicamente dois formatos: conteúdo e publicidade.
A publicidade existe para financiar o conteúdo, já que dor detrás do conteúdo, independentemente do meio, existe uma equipa responsável por o produzir.

No caso dos blogs o conteúdo é da responsabilidade do autor/autores, a maioria dos bloggers escreve por gosto ( e também porque é moda) e são poucos os que têm patrocínios/financiamento, embora exista a ideia que quase todos recebem pelo que escrevem.

Na imprensa os conteúdos são pagos pelas assinaturas, pelo valor da capa e pela publicidade, na rádio a publicidade é a principal fonte de receita.

No caso da televisão a publicidade é responsável por maior parte do orçamento dos canais livres, enquanto os canais estatais recebem também apoio do Estado proveniente de uma das muitas taxas que pagamos todos os meses na fatura da eletricidade, por sua vez os canais cabo têm também o financiamento pela via das assinaturas.

Na Internet os formatos de publicidade são muito variados e estão constantemente a evoluir e é cada vez mais frequente existir um custo para ter acesso a conteúdos mais exclusivos.

Teoricamente isto funciona de forma clara: alguém produz os conteúdos de forma isenta e idónea e a publicidade e as assinaturas pagam esses conteúdos, na teoria seria assim, mas na prática não é assim tão simples.

Nunca existiu tanta promiscuidade entre conteúdo e publicidade, os dois enrolam-se, misturam-se e no fim é difícil distingui-los.


Curiosamente parece que só um tipo de publicidade camuflada chama à atenção do público, a que existe nos blogs, o importante é aquela blogger que que escreve sobre determinado produto porque lhe foi oferecido e é uma vergonha não dizer que foi oferecido e estar a enganar os leitores.
É de estranhar que não existam reclamações de publicidade disfarçada de conteúdo que nos impingem todos os dias em todos os outros meios.

A imprensa deve ter sido o primeiro meio a perceber que o conteúdo vale muito mais do que a publicidade, é claro que uma notícia, uma reportagem ou artigo de opinião vale muito mais do que uma publicidade.
Começou-se por trocar páginas de publicidade por notícias relevantes, uma forma de agradar as marcas era transmitir as suas novidades, na verdade as novidades são notícias e não vinha daí nenhum mal ao mundo.
Rapidamente se passou para as publireportagens, que não são mais que publicidades pagas mascaradas de conteúdo, alguns meios identificam-nas como publicidade, outros já o deixaram de fazer há muito.

O cúmulo chegou quando a imprensa começou a oferecer reportagens em troca de páginas de publicidade, uma equipa desloca-se às empresas, faz entrevistas, tira fotos, pesquisa a sua história, mas e é um grande mas, a reportagem só sai se em troca a empresa adjudicar uma página de publicidade.
Existem equipas de duas e três pessoas cujo trabalho só é remunerado se a empresa aceitar pagar a publicidade, organizam-se por zonas para minimizarem custos de produção, inventam cadernos especiais, criam rúbricas com nomes pomposos, tudo para convencerem as empresas a constarem das suas páginas. Tudo para conseguirem sustentar o emprego, precário e mal pago.

Na televisão o paradigma não é diferente, levamos com blocos de anúncios de vinte minutos de trinta em trinta minutos, mesmo em canais pagos, praticamente todos os programas são patrocinados por uma, duas ou três marcas, mas mesmo assim inventam formas de ganhar mais dinheiro e de nos impingirem publicidade.
Também na televisão o conteúdo vale mais do que a publicidade, não foi preciso muito para que produtos e serviços aparecessem magicamente nos programas televisivos, começou-se pelo Product Placement que consiste na presença passiva de um produto/serviço na cena, rapidamente se evoluiu para o Soft Sponsoring que envolve a manipulação do produto/serviço por parte de uma ou várias personagens e a explicação das suas vantagens.


Esta forma de publicidade é tão agressiva nos programas televisivos em Portugal que chegam a existir cenas consecutivas com divulgação de dois produtos seguidos, no caso das telenovelas, o Soft Sponsoring chega a interferir claramente com o enredo levando a algumas situações absurdas e completamente descontextualizadas.

No entanto, a camuflagem não se esgota na manipulação do produto, vai mais longe, é tudo uma questão de dígitos seguidos de um € se forem muitos é possível produzir conteúdos totalmente dedicados a uma marca ou empresa, formatando e construindo o próprio programa à volta disso.


A possibilidade de conteúdo por encomenda abriu outra possibilidade de exploração, a das produtoras, os canais televisivos, tal como a imprensa, contactam as produtoras para que estas lhes apresentem conteúdos, conteúdos esses financiados externamente por marcas e empresas, muitos deles criados para divulgação dessas marcas e empresas de forma criativa ou no âmbito das suas relações públicas, o cúmulo reside no detalhe que para além dos canais receberem os conteúdos a custo zero, solicitam ainda uma verba para os transmitirem às marcas/empresas que os financiaram em primeiro lugar.

As produtoras veem-se assim cativas do financiamento, sendo o financiamento que decide se um programa irá ou não para o ar, pois ter bom conteúdo quase sempre não é suficiente para que o programa seja transmitido.


Na rádio o paradigma não é diferente, para além de blocos publicitários, cada vez maiores, a publicidade surge camuflada nas conversas dos radialistas sem qualquer quebra como sendo uma conversa natural e casual, mais grave ainda é desenharem ou adaptarem programas de entretenimento para falar de determinada marca.


Todos os dias somos bombardeados com publicidade dissimulada, mascarada de conteúdo, um espetador atento conseguirá facilmente detetar essa publicidade nos mais variados contextos, mas a maioria não se apercebe que o que perceciona como conteúdo não é nada mais, nada menos do que uma manipulação.


Esta falácia, este engodo escala a uma velocidade vertiginosa e pelo caminho mais do que enganar as pessoas contribui para o empobrecimento dos meios de comunicação e para o trabalho precário de jornalistas, fotojornalistas, fotógrafos, produtores, guionistas, operadores de câmara, realizadores, editores, revisores entre outros que veem o seu trabalho depender do financiamento de terceiros.


Não é surpreendente que cada vez menos se encontrem boas peças de jornalismo e menos programas com conteúdos interessantes e culturais.
Quando o dinheiro domina os conteúdos é natural que os conteúdos não sejam os melhores e os desejáveis.

 

(Para a semana a perspetiva das marcas e dos profissionais de marketing.)

 

O soutien da Irina

 

Irina Shayk é embaixadora da marca Intimissimi há 6 anos e como se não bastasse toda a lingerie grátis que ganha, ganhou agora um soutien com o seu nome – Irina.

Como o soutien tem o seu nome faz todo sentido ser ela a promove-lo com todos os seus dotes publicitários, um corpo escultural, um rosto bonito emoldurado por um farto cabelo, o realizador só tem de fazer closes ups, planos de baixo para cima, de cima para baixo, enviusados, ora focados ora desfocados, enquanto ela faz aquilo que sabe fazer melhor:

Ficar ali de pé com os lábios semiabertos, ora estica os braços, ora percorre as mãos pelo peito, ora mexe suavemente no cabelo, o clássico movimento da anca (será que a cueca está incluída?) e uma pessoa do soutien pouco vê, só uma vê mesmo a Irina de todo e qualquer ângulo possível.

O slogan da campanha é:

Triplo Efeito

Suporta. Realça. Envolve.

 

Os dois primeiros adjetivos estão bem conseguidos, já que o soutien não só suporta a nossa crença que o nosso peito jamais ficará assim como ainda realça essa ideia.

Já o envolve…. Mas alguém quer ver o seu peito envolvido por um soutien chamado Irina? Teriam mais sucesso se lhe chamassem Brad.

(Retiro daqui claro as mulheres que gostam de outras mulheres.)

 

Não consigo entender quem é que acha engraçado e inteligente dar nomes de mulheres a soutiens? Quem? Será que não pensam nas situações que esses nomes podem causar.

 

Duas amigas na pastelaria.

- Já comprei o novo, aquele da Irina.

- Ah já? E o que achas?

- Que funciona, suporta, realça e envolve.

- Eu costumo usar o da Manuela.

- Já usei esse também, acho que o meu marido preferia quando andava com o da Manuela.

O empregado de mesa a esta hora já estava interessadíssimo na conversa.

- Então porquê?

- Ontem vesti o da Irina, cheguei ao pé dele toda sensual e confiante e disse-lhe: - Amor tenho aqui a Irina? Ele levanta-se muito rápido histérico a perguntar onde? Onde é que ela está?

 - Pensei que estava a brincar comigo por isso disse-lhe. - Está aqui amor, não vês como fica bem nas minhas maminhas.

Disse-me com ar desiludido – Oh querida enganaram-se na loja esse não é o soutien da Irina, não Suporta, não Realça e não Envolve, as tuas mamas são as mesmas de sempre.

 

O marketing da marca deve estra a cargo de um homem que não sabe que o melhor soutien é aquele que não se vê e não se sente, podiam perfeitamente fazer publicidade com base nestas premissas, mas não preferem espetar vídeos, outdoors e mupis por todo lado com lingerie, as revistas nós ainda escondíamos, mas é impossível esconder um outdoor de 10m!

As mulheres têm imaginação fértil conseguem imaginar facilmente a lingerie, os homens não precisam de ver anúncios de lingerie em todo lado, é que para além de arruinar o efeito surpresa dá-lhes uma base de comparação que não interessa a ninguém, nem a eles que ficam desiludidos, nem a nós claro.

Será que ninguém pensa nisto?