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Língua Afiada

Julgar alguém pela roupa interior num caso de violação

O julgamento de um caso de violação na Irlanda tem sido motivo de grande polémica, porque a advogada de defesa usou a roupa interior da vítima para sugerir que as cuecas fio dental de renda que a vítima usava na altura poderiam indicar que estava disposta a “conhecer e estar com alguém”.

“Têm de olhar para a forma como ela estava vestida. Usava uma tanga com a parte da frente em renda”, disse ao júri a advogada de defesa Elizabeth O'Connell. O homem de 27 anos acusado de violar a jovem negou as alegações em tribunal, afirmando que a relação sexual terá sido consensual e foi ilibado.

Não conheço mais detalhes do caso, se haveriam provas, se terá existido ou não violação, quero acreditar que os juízes não decidiram com base na lingerie da vítima, que a propósito só tem 17 anos, o que é surreal é que nos dias de hoje ainda se façam julgamentos sobre a roupa interior das pessoas.

 

Estas afirmações estapafúrdias levaram uma deputada a mostrar umas cuecas de renda no parlamento, a uma série de protestos, a uma onda de contestação e que a líder do centro para vítimas de violação de Dublin pedisse uma reforma no sistema legal.

Sinceramente não sei o que se passa na cabeça das pessoas, somos constantemente bombardeados com imagens carregadas de sensualidade, nudez, descontração e extroversão, os anúncios de lingerie estão em todo lado estampados nas paragens dos autocarros, em outdoors, revistas, televisão, o desfile mais aguardado do ano é de lingerie e mesmo assim ainda se julgam as mulheres pela sua roupa íntima?

 

A minha mãe costuma dizer que pela roupa interior se vê se a pessoa é asseada ou não, há muito quem só se preocupe com o que se vê e uma olhadela no enxoval íntimo coloca isso a nu.

Pela roupa interior da pessoa também podemos ver as suas posses, já que o preço de algumas marcas são um verdadeiro atentado à carteira.

O uso de roupa íntima sexy até pode significar que se está disponível para ter sexo. E depois? Nunca sabemos quando podemos encontrar o príncipe encantado, não sabemos se vamos ter um encontro imediato de terceiro grau, não sabemos quando vamos entrar de emergência no hospital e ter um médico charmoso a cuidar de nós, lá queremos que algum homem interessante nos veja com cuecas brancas de avó?!

E nos apetecer usar roupa sexy para nos sentirmos atraentes para o nosso mais que tudo, não sabemos quando a vontade de nos despir urge e por isso mais vale estar sempre com a cueca certa.

E se nos apetecer vestir roupa interior sexy só porque gostamos, achamos bonita e nos sentimos bem com ela?

Por acaso isso significa que qualquer um nos pode arrancar as cuecas? Só porque são sexy?

E os homens agora têm visão raios x para perceberem imediatamente que estamos de lingerie de renda pronta a arrancar?

 

O machismo e o preconceito estão realmente muito enraizados nas pessoas, há ainda um longo caminho a percorrer contra a culpabilização das mulheres vítimas de agressão e violência sexual, este estigma de culpar sempre a vítima para desculpar os instintos primitivos do homem não só é nojenta, como não tem qualquer base científica, ou teremos agora de equiparar os homens a macacos por não saberem resfriar os seus instintos?

O que mais me entristece é que são as mulheres as primeiras a fazer estas observações, estes julgamentos mesquinhos e retrógradas, as mulheres que se acham superiores e confirmam a todo momento a sua inferioridade perante o domínio dos homens.

Acordem! Há quem viole crianças inocentes, há quem viole mulheres pelo simples prazer de violar e ainda insistem em encontrar justificações disparatadas para justificar um comportamento hediondo, nojento, primitivo e desprezível.

Não há nada, nada que justifique uma violação, nem sequer um prévio consentimento, estamos sempre a tempo de dizer Não, querem agora alegar consentimento com base numas cuecas!?

Tenham mais consideração e acima de tudo mais inteligência e consciência de que nenhuma mulher, nenhum ser humano está livre de ser violado e de sofrer um dano tão forte, tão atroz com consequências irreversíveis, ninguém esquece uma violação, é um crime contra o corpo, mas é acima de tudo um crime contra a alma, contra o espírito, quebra-se algo no interior das vítimas, há uma inocência que se perde, uma desconfiança que se instala, um medo permanente de repetição, é viver sabendo que nunca mais nada será igual, é uma marca demasiado grande para ser julgada assim levianamente e levemente.

Não é só na Irlanda que é preciso rever o sistema legal, não faltam exemplos que nos deveriam fazer elevar a voz e reclamar uma reforma das leis em Portugal, as penas são ridículas e as leis não preveem danos morais e psicológicos, centram-se na agressão física quando o que está em causa é muito mais do que isso.

É urgente rever a lei e é ainda mais urgente formar, informar, educar para o respeito da mulher, do indivíduo, da vontade e da privacidade.

 

Acordem! Devemos usar a lingerie que quisermos sem que ninguém nos julgue por isso.

Livros de Atividades da Porto Editora – Conclusão

Escrevi o primeiro texto sobre o assunto antes da publicação do relatório, antes de o fazer procurei informação sobre os livros, uma vez que não tive oportunidade de os desfolhar.

Agora após ler o relatório da Comissão para a Cidadania e Igualdade do Género (GIG) a minha opinião mantem-se, não concordo com o estereótipo de associarem as atividades das meninas às tarefas domésticas, como referi no primeiro texto, mas não vejo nenhum motivo que justifique a retirada dos livros do mercado.

 

Os argumentos apresentados pela CIG foram três:

Segregação.

A comissão diz que o facto de existirem dois cadernos um para menina e outro para menino os livros estão a negar a possibilidade de as meninos e os meninos de acederem às atividades do outro sexo.

A considerarmos esta premissa verdadeira teremos de eliminar toda e qualquer situação que impeça que uma menina ou menino, homem ou mulher de usufruir de uma publicação, espaço ou objeto, desde a sua conceção á sua utilização.

Isso implica deixarmos de ter por exemplo brinquedos que nas suas embalagens tenham a imagem de uma menina ou de um menino, impedindo assim que as meninas brinquem com brinquedos de meninos e vice-versa.

Transpondo esta premissa para todo o universo das crianças, deveremos também eliminar as roupas destinadas apenas a um género uma vez que constituem uma segregação, podendo até ser considerado como discriminação não existirem vestidos e saias na secção de roupas dos meninos.

 

Reforço dos estereótipos

A CIG diz que as ilustrações reforçam os papéis estereotipados de mulheres e homens na sociedade, é verdade que as ilustradoras poderiam ter optado por usar temas mais abrangentes, remeter as meninas para o universo do lar e os meninos para a aventura é de certa forma dizer-lhes que esse é o seu lugar.

Mas não terão sido escolhidos estes temas por serem estes temas os relacionados com as atividades que as crianças desempenham na sua vida real?

Conhecerão os representantes da CIG crianças dos 4 aos 6 anos? Eu conheço e posso dizer que a sua maioria gosta exatamente dos temas que as atividades propõem.

Tal como referi anteriormente isto não é reforço de estereótipo é marketing, é adequar o produto ao seu utilizador.

Se a diferenciação de uma publicação por sexo é um estereótipo teremos então de acabar com todas as publicações que têm como público alvo só homens ou só mulheres.

Acabem-se já com as revistas femininas que definem as mulheres como fúteis, consumistas estouvadas, sonhadoras e ocas contribuindo assim para o seu estereótipo.

Acabem-se com as revistas dos jornais desportivos que definem os homens como fanfarrões, bêbedos, arruaceiros, fanáticos e ocos contribuindo assim para o seu estereótipo e deixem de lado as capas de mulheres seminuas.

 

Diferenciação por sexo do grau de dificuldade das atividades

Nos livros, segundo a CIG, comparando o mesmo tipo de exercícios existem seis atividades mais difíceis para meninos e três mais difíceis para meninas, ou seja, no fundo existem apenas três atividades mais difíceis para os meninos. Não consegui saber qual o número total de exercícios, mas é bem mais do que seis, será o rácio de três suficiente para se afirmar que as atividades no seu total são mais difíceis para os meninos?

Na minha opinião não, especialmente depois de saber que as ilustrações foram realizadas por pessoas diferentes, que ilustraram provavelmente sem terem conhecimento da ilustração semelhante constante do outro livro.

 

O meu primeiro texto era principalmente sobre a exagerada indignação e divulgação do tema, bastou uma simples pesquisa para verificar que os motivos para tal indignação eram redutores e insignificantes tendo em conta o universo das crianças dos 4 aos 6 anos, mas foram distribuídos até à exaustação pela comunicação social sem qualquer análise ou estudo com o intuito de gerar cliques, comentários, partilhas e visitas.

 

Este texto é sobre outra coisa, é sobre os limites, sobre o bom senso, sobre o que deve ou não ser escrutinado pela chancela do Estado.

Analisando os factos a recomendação da CIG é mais um ato de censura do que de defesa, é levar ao extremo o politicamente correto, sem ter em conta os hábitos e acima de tudo as preferências das crianças, retirando completamente a autoridade aos pais e educadores que têm o direito de escolher o que dar aos seus filhos e interferindo com a liberdade editorial de uma editora.

 

Já alguém parou para pensar o que isto significa? O que este ato representa? O exemplo que estabelece?

Deverá o Estado interferir nas publicações privadas fora do âmbito previsto na lei?

 

Não, não deve, porque isso significa regredir e não podemos enaltecer e promover a igualdade dos géneros atentando contra o primeiro valor a ser defendido, a liberdade, a liberdade de expressão, a liberdade de publicação, a liberdade de escolha, a liberdade de produção.

 

O mundo não deve ser dividido entre cor-de-rosa e azul, mas também não é preto e branco, é uma mancha colorida que toca muitas vezes nos extremos das duas cores, não desejemos agora que o mundo seja de uma só cor, renegando o arco-íris.

As meninas são diferentes dos meninos e depois?

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A Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, por recomendação do Ministro-adjunto, recomendou a retirada dos livros de atividades da Porto Editora. E a editora anunciou que já suspendeu a venda.

 

Mais uma polémica, mais uma guerra, mais uma parvoíce se analisarmos bem as coisas.

 

Há uma diferença gigante entre associar o cor-de-rosa a menina e proibir um menino de gostar de cor-de-rosa.

Há uma diferença gigante entre associar bonecas a meninas e proibir meninos de brincar com bonecas.

Há uma diferença gigante entre associar carros e bolas a meninos e proibir meninas de brincas com carros e bolas.

 

As meninas e os meninos são diferentes, nascem diferentes e serão sempre diferentes e isso não tem nada a ver com a sua orientação sexual, pois conheço muitos homesexuais homens que tem hobbies associados aos homens e mulheres homesexuais mais femininas e bonecas que muitas mulheres heterossexuais.

Assumir que todos os homesexuais gostam dos hobbies do sexo oposto, isso sim é discriminação.

 

Depois de ver as imagens da polémica, há realmente uma tendência para associarem a menina às tarefas domésticas e o menino à aventura, não é novidade sempre foi assim, mas isso não me impediu de ser maria-rapaz e que o meu irmão brincasse com tachos e talheres sempre que lhe apetecesse, o que impede é a mentalidade dos pais.

Quanto aos graus de dificuldade, segundo a análise dos especialistas não esta patente em todos os exercícios, uns são mais fáceis no livro das meninas, outros são mais fáceis no livro dos meninos, vai variando.

Concordo que associarem sempre as meninas às tarefas domésticas pode funcionar como uma pressão social para que as aceitem como sendo da sua competência, devem-se evitar, pois o trabalho relacionado com a casa deve ser partilhado.

 

A Porto Editora, que não precisa de defesa, não inventou nada apenas recorreu à técnica de vendas mais antiga de sempre, adequar o produto ao consumidor, em vez de criar um livro para crianças, segmentou-o por sexo, para que fosse mais apelativo, as meninas gostam de princesas e os meninos gostam de robots, é simples. Então qual foi o erro?

Não criar um terceiro livro para quem não gostasse de nenhum dos dois em amarelo ou verde.

 

Será que este caminho que queremos seguir?

Indiferenciação dos sexos?

 

Não creio, existiram e sempre existirão produtos direcionados às mulheres e produtos direcionados aos homens, somos diferentes e isso é bom.

Na minha opinião em vez de eliminarem os livros deveriam corrigi-los, mas não deveriam deixar de ter livros diferentes para meninas e para meninos, se as crianças são diferentes e gostam de coisas distintas faz todo o sentido cativa-las com exercícios de temas que gostam.

A parvoíce desta polémica reside na indignação que gerou, num país onde a desigualdade entre homens e mulheres está patente nas coisas mais básicas, a grande notícia da semana é sobre livros de atividades discriminatórios?

Poupem-me! Perdoem-me a expressão banal, mas não me ocorre mais nada.

Poupem-me a chiliques e ataques feministas*.

Querem lutar pela igualdade dos géneros? Comecem pelas coisas mais básicas e essenciais:

Ordenados! Não se justifica que mulheres e homens nas mesmas funções recebam ordenados diferentes, assim como não se justifica que lugares de topo sejam constantemente vedados às mulheres.

Licença de paternidade nos mesmos termos que a de maternidade, talvez assim as empresas deixem de excluir e pressionar as mulheres que pretendem ser mães.

Estão preocupados com a cor-de-rosa e com o azul e não se preocupam com o que realmente é importante, criar condições de base para que as mulheres sejam vistas e respeitadas da mesma forma que os homens.

 

 

Este tema lembrou-me que tenho este conto para terminar.

* "Ataques feministas" neste contexto referem-se ao exagero que por vezes se comentem em nome do feminismo que só prejudicam a nobre causa da igualdade de oportunidades e tratamento do sexo feminino.