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Língua Afiada

Andar com pezinhos de lã

A vida é um stress. A vida de todas as pessoas é um stress, desengane-se quem pensa o contrário, a diferença entre uns e outros é apenas e só uma, a forma como se lida com o stress.

Não sei de onde apareceu a moda de compararmos vidas, mas a verdade é que comparamos tudo para o bem e para o mal e o grau de stress é um tema recorrente de comparação, porque há pessoas que acham sempre que a sua vida é mais stressante ou mais atribulada que a dos outros, curiosamente e salvo raras exceções, são precisamente as pessoas que têm a vida “mais facilitada” que mais se queixam, quando pessoas com empregos de mais parecem trabalho escravo, problemas de saúde, muitas vezes problemas financeiros e até problemas familiares colocam uma cara alegre porque viver só por si é motivo de alegria. Perdoem-me a comparação, mas há casos gritantes.

Cada um lida com as suas dores e os seus problemas à sua maneira, mas é irritante lidarmos com pessoas que são incapazes de ver que os outros também têm problemas, mas há algum adulto que não tenha problemas?

Há pessoas que são críticas, que para lidarmos com elas temos de estrategicamente andar com pezinhos de lã em cima de ovos, não vá existir um ruído mais alto ou estalar uma casca, a questão é que se conseguimos fazer isso durante algum tempo, haverá um dia em que nos cansamos e batemos no chão de salto e esmagamos todos os ovos.

Por outro lada há outras que podem aparecer de olheiras até ao umbigo, de ar cansando e semblante carregado que nunca são levadas a sério, mesmo quando se queixam uma vez por ano, não sei se será por falta de lamúrias, talvez pensem que anda sempre feliz e contente e que por um dia mais cansativo já parece um farrapo é porque está mal habituada.

O que sei é que parece que temos de andar em pezinhos de lã, sempre com reservas, sempre com receios para não melindrar, não incomodar as pessoas, especialmente essas que têm (dizem elas) uma vida tão stressada.

A conclusão é simples a sociedade gosta de hipocrisia, falsidade e bajulação e todas as pessoas que saem deste padrão são severamente penalizadas seja na vida pessoal, seja na vida profissional.

Assertividade, frontalidade, honestidade não são bem aceites, causam demasiado rebuliço, são inconvenientes, assim como temas sérios e profundos, o que interessa é rir e falar alto, mesmo que não haja uma única conversa importante durante meses, porque assim vivem descontraídos e alienados de tudo, convencidos que os problemas do seu minúsculo e insignificante mundo são os mais graves e terríveis.

Há pessoas que nascem com capacidade de introspeção, com capacidade de se colocarem no lugar dos outros, com capacidade de reflexão e análise, com uma visão da vida alargada e abrangente, já outras nascem com os olhos virados para si e são incapazes de olhar para o próximo e perceber que este precisa dele.

 

Viver com stress e ansiedade

Pessoa descontraída, descomplicada, otimista, alegre e vivaça vive uma vida calma e agradável, pontuada ocasionalmente por percalços mais ou menos graves decorrentes da conjugação do verbo viver.

 

Essa pessoa de descontraída passa a sofrer de stress sistemático em três simples passos:

1 – Surge um problema de saúde que condiciona toda a sua vida;

2 – O tratamento do problema implica alterações bioquímicas no seu organismo;

3 – O tratamento prolonga-se e os efeitos secundários, que incluem picos de humor, agravam-se.

E assim em mais ou menos três anos a vida da pessoa dá uma volta de 180 graus e transforma-a, uma pessoa que nunca sentiu ansiedade ou stress fica prestes a ter um ataque de pânico porque se esqueceu do descongestionante nasal no trabalho.

Esta sou eu, aqui me confesso sou uma stressada crónica.

 

O stress não é impelido por mim, não é constante, não tem uma origem identificada, frequentemente é despoletado por situações corriqueiras, sendo que nas graves mantenho a racionalidade, é nas pequenas coisas, nas mais insignificantes que tenho surtos irrefreáveis que vão desde respostas ríspidas à indignação, por vezes com episódios de fúria, sintomas que desaparecem ao fim de poucos minutos.

 

Conheço a teoria, as dicas e os truques para controlar a situação, mas nas consumições da mente a teoria é muito simples, já a prática, também eu achava que era fácil controlar o stress e a ansiedade, que era uma questão de atitude, de querer mudar, infelizmente não é, a nossa mente não é linear, é complexa, nunca sabemos como iremos reagir a determinação situação.

É possível minimizar, antecipar algumas situações, preparar-nos para outras, mas quando o nosso sistema se encontra desequilibrado, por mais equilíbrio que consigamos atribuir-lhe conscientemente o inconsciente opera silenciosamente e quando menos esperamos faz-nos balançar, ficamos na corda bamba, pendendo de um lado e para o outro, nestas situações acredito que ter uma âncora, um porto seguro, um ponto de referência que nos dá a força necessária para nos conseguirmos equilibrar e seguir lentamente o caminho pé entre pé é fulcral, a minha âncora é ele, sempre disposto a acolher o meu tumulto num abraço sereno.

 

Viver com um stress que desconhecia ser possível existir, com uma ansiedade corrosiva que me drena é um mundo novo para mim, há 4 anos se alguém me dissesse que um dia sofreria de stress e ansiedade provavelmente a minha resposta seria uma gargalhada, pois não se coaduna com a minha personalidade, com a minha forma de ser e agir, mas na vida só podemos dizer nunca para o nunca, pois é impossível dizer nunca a tudo o resto porque, simplesmente, não sabemos o que o futuro nos reserva.

 

Não menosprezem, não desvalorizem os sintomas de stress e ansiedade em adultos, mas principalmente em crianças e jovens, ninguém é assim porque quer, porque gosta, há sempre um motivo, pode ser físico, para que as pessoas se sintam assim, em alguns casos é necessário recorrer a medicação para controlar os sintomas, noutros é preciso conhecer os motivos e atacar a fonte do problema, noutros simplesmente passa por aceitar e conviver com a situação o mais pacificamente possível, em todos só tomando consciência do problema o podemos tentar controlar.

Desvalorizar os sintomas e recorrer a frases feitas e a lugares comuns não ajuda as pessoas que já estão numa situação frágil e incómoda, apenas contribui para que sintam pior e responsáveis pela sua condição, uma condição que não controlam, demonstrar empatia e dar uma palavra de conforto é o melhor que lhes podem oferecer.

 

Lembrem-se que na maioria dos casos as pessoas vivem em stress e em ansiedade por causa do que os outros e a sociedade esperam delas, não sejam parte da pressão, sejam parte da compreensão.

 

O meu primeiro ataque de ansiedade

Hoje tive o meu primeiro ataque de ansiedade, tenho consciência que foi leve, talvez tenha tido sorte, talvez tenha reconhecido os sintomas e o facto de ter respirado fundo e pensar - É ansiedade já passa - tenha contribuído para que tenha passado mais rapidamente.

Senti o primeiro sinal ao início da manhã enquanto subia a escadaria para o escritório, tremores, arrepios, temperatura elevada, batimentos cardíacos acelerados e falta de ar, ao sentar-me comecei a melhorar e regularizei a respiração e os batimentos cardíacos.

Não estive bem durante toda a manhã, ainda não estou, mas antes da hora de almoço assustei-me, os sintomas voltaram mas com mais intensidade e por momentos pensei que iria ter um colapso, cruzou-me a mente a possibilidade de ser um ataque cardíaco e só depois pensei estou a ter um ataque de ansiedade.

Acho que foi esse pensamento que controlou os sintomas e o ar aos poucos voltou a fluir normalmente, por momentos pensei pedir para me levarem ao hospital, depois pensei ligar ao meu marido, mas lentamente o meu lado racional chamou-me à razão e fui-me acalmando.

Depois deste episódio voltei a ter os sintomas durante o almoço mas respirando fundo consegui que não escalassem, mas sinto-me instável, uma espécie de bomba relógio prestes a explodir e receosa de voltar a sentir e a experienciar os mesmos sintomas.

Não é mentira quando nos dizem que parece que vamos morrer, é mesmo essa a sensação, a par com a impotência e a confusão, sentimos que algo de muito grave se esta a passar connosco e não conseguimos controlar o nosso corpo.

 

Sou uma pessoa calma, não costumo ficar ansiosa e não tenho por hábito pensar muito nos problemas, os que dependem de mim resolvo, a maioria a vida resolve e os sem solução nada mais resta do que aceita-los, mas nos últimos anos tenho acumulado stress a nível pessoal e a nível profissional, com tanta coisa a acontecer ao mesmo tempo já me tinha perguntado quando me iria abaixo, porque há limites para tudo e senti que estava próxima do meu.

Sou resiliente, sou capaz de terminar um ataque convulsivo de choro com o simples pensamento - Não sou assim, não é um entrave na vida que me vai derrubar e coloco um sorriso nos lábios, porque a vida é acima de tudo como a encaramos.

 

Mas não há heróis nem heroínas, todos temos um limite e quando o ultrapassamos pode ser tarde demais para voltar atrás, gerir o stress e evitar que ele se converta em ansiedade é complicadíssimo, não há uma fórmula mágica, na teoria é tudo muito simples, mas na prática lidar com isso é uma aprendizagem pessoal de várias etapas, com vitórias e derrotas, com avanços e recuos.

 

Escrevo para exorcizar os demónios que me assolam a serenidade, ao descrever o que sinto e o que penso a razão das palavras sobrepõe-se às emoções e acalmo-me, é uma terapia e um escape e uma forma de me isolar em mim e de me entender.

Sinto-me mais calma agora e espero pacientemente que o dia termine e que este episódio não passe apenas de uma má memória, esperançosa que nunca mais se repita.

 

A ansiedade a par com o stresse, geralmente andam de mãos-dadas, são na minha opinião as doenças deste século, mesmo com a propagação de doenças como a Diabetes, doenças cardiovasculares e o flagelo do Cancro, devido às suas especificidades a ansiedade e o stress são piores.

São piores porque pioram e escalam qualquer outro problema de saúde, são piores porque são a causa de outras doenças e são piores porque apesar de serem doenças do foro psicológico sintomatizam-se fisicamente.

São perigosas porque são desvalorizadas e porque o tratamento é complexo, recorrer a drogas que afetam a nossa forma de estar e pensar é um passo muito difícil e depois da decisão há o perigo da dependência e há ainda o estigma social, o preconceito de que quem adoece psicologicamente é fraco, débil e incapaz de lidar com as dificuldades da vida.

 

Não somos sobre-humanos, devemos exigir menos de nós e da vida, devemos saber parar e acima de tudo devemos arranjar tempo para respirar, experienciar bons momentos na companhia de quem amamos, sempre que possível caminhar ao ar livre, apanhar sol e viver a vida, sentindo-a, agarrando-a, antes de a vermos passar num flash diante dos nossos olhos.

Se sofre de ansiedade constante procure ajuda, é um problema de saúde grave e angustiante e não tem de passar por isso sozinho.

 

Hoje tive o meu primeiro ataque de ansiedade e espero que tenha sido o último.