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Língua Afiada

Trabalho 54 dias de graça

Eu e as mulheres portuguesas trabalhamos 54 dias de graça, talvez colocando a situação nestes termos as pessoas entendam a gravidade da situação.

São 54 dias, quase dois meses de trabalho em que trabalhamos sem receber por isso, oferecemos aos nossos empregadores 54 dias, nunca é demais repetir, 54 dias de trabalho, 54 são muitos dias.

O argumento do tipo de trabalho e da força física nem se coloca, se em média as mulheres continuam a ganhar menos 14,8%,  ou seja, menos 149,7 euros que os homens, este fosso aumenta consideravelmente quando a análise se centra nos cargos superiores, as mulheres ganham menos 617,7 euros que os homens, e entre pessoas com o ensino superior ganham menos 505,5 euros.

Qual é o argumento para justificar esta diferença? Terão as mulheres menos massa cinzenta? Serão as mulheres menos inteligentes?

Não, esta discrepância tem mesmo por base a discriminação do género assente em estereótipos e ideias pré-concebidas profundamente enraizadas em Portugal, cujas maiores interessadas em combater, muitas vezes escolhem não o fazer, continuando a fomentar a desigualdade salarial e outras desigualdades.

O argumento da maternidade e disponibilidade é o pior que podem usar, porque a falta de disponibilidade de uma mulher para realizar horas extras ou viagens é proporcional à falta de disponibilidade de um homem para cuidar e estar com os filhos.

É triste que não se perceba que as mulheres assumem um papel determinante na sociedade, não fossem elas capazes de direcionar as suas prioridades para a família, abdicando muitas vezes da progressão na carreira para que isso aconteça, o que aconteceria? A taxa de natalidade cairia ainda mais, aliás a tendência será essa, com as mulheres cada vez mais a procurarem a realização pessoal através do sucesso profissional e com os homens ainda não preparados para a divisão total de tarefas, incluindo a organização mental, prevêem-se tempos complicados para a constituição de famílias.

Como se resolve este problema? Não é com a lei da paridade, nunca se resolverá uma discriminação com outra discriminação, é pela alteração na forma como encaramos o papel da mulher e do homem na sociedade.

 

Licença de Parentalidade

Licença de parentalidade igual para ambos os progenitores, sabemos que um bebé quando nasce poderá estar dependente da mãe para ser alimentado, verdade, e a presença da mãe é importantíssima porque é a pessoa que o bebé melhor conhece, considero essencial a presença do pai no primeiro mês, aliás essa presença deveria ser estendida até aos 2 meses, findo esse período o pai regressaria ao trabalho e a mãe ficaria de licença até aos 7 meses de vida do bebé, e aí o pai entraria de licença não por o período de um mês, mas até o bebé fazer 12 meses, tendo gozado ambos 7 meses de licença e adiando a entrega do bebé a cuidados de terceiros por até ter um ano.

É preciso igualar o papel de mãe com o papel de pai e cabe à mãe deixar de assumir que só ela é que sabe fazer e cabe às pessoas de um modo geral aceitar e que é normal e natural um pai cuidar dos filhos e não assumir que quando é o pai a acompanhar o filho é porque a mãe foi incapacitada de o fazer, tendo “sobrado” para o pai, nunca assumindo que possa ter sido uma escolha.

 

Horário Laboral

Para além de trabalharmos 54 dias de graça ainda somos dos países onde a jornada de trabalho é maior e isso afeta ainda mais a nossa remuneração que é parca para as horas que trabalhamos. Com este horário de trabalho que já não é compatível com o nosso modo de vida e com os avanços tecnológicos, é impossível as pessoas terem um equilíbrio saudável entre emprego e família, quem é que é mais penalizado? As mulheres, como ganham menos, são as que abandonam os seus empregos de tempo inteiro para abraçarem empregos em part-time ou para ficarem em casa a cuidar da família, mais do que uma escolha emocional é muito mais uma escolha financeira.

 

 Trabalho em casa

Também neste campo existe uma tremenda desigualdade, a mulher para além de trabalhar muito mais horas em casa tem a seu cargo, na maioria das vezes, a carga mental da organização da vida doméstica, que inclui a gestão da casa, das compras, das roupas, da educação e da saúde de toda a família, a carga mental é muito mais penalizadora e cansativa do que o desempenho das tarefas em si, a organização é muito mais trabalhosa do que o trabalho e quando o tempo escasseia qualquer falha pode causar um caos que demora dias a ser resolvido.

É preciso que a divisão das tarefas seja igualitária, mas é preciso que a carga mental também seja, ficando a cargo de ambos a organização e planeamento das tarefas do quotidiano, já que o problema não é ir às compras, mas fazer uma lista de compras que garanta trazer tudo o que faz falta, muitas vezes aos melhores preços e tendo em vista a ementa semanal de toda a família, que inclui todas as refeições.

Cabe aos homens perceberem que têm de partilhar tudo e não só fazer as tarefas que a mulher lhe atribui e cabe às mulheres aprenderem a dar espaço aos homens para serem eles a organizar e a planear essas mesmas tarefas.

 

Mudar mentalidades

Esta é a tarefa mais difícil, dificilmente se muda uma opinião, é quase impossível mudar o comportamento e atitudes de uma pessoa machista, por isso é importante apostar na educação dos mais novos, se a educação dada em casa possivelmente perpetua os estereótipos, é preciso que as escolas assumam esse papel de educar para a igualdade, assim como para a cidadania.

Não é a criticar princesas e príncipes que se mudam mentalidade, mas sim a demonstrar que uma princesa também pode ser forte e independente, não é a abolir os géneros e a querer mitigar as suas diferenças, mas sim a celebrar as diferenças e a promovê-las para termos uma sociedade mais diversa, rica e colorida.

Cabe a cada um de nós, no nosso dia-a-dia tentar mudar a forma como a sociedade segrega e discrimina as mulheres, não é criticando ou diminuindo os homens, mas colocando-nos em pé de igualdade, sem que para isso nos tenhamos de desfazer daquilo do que torna mulheres, não temos de abandonar a nossa feminilidade, temos de ser aceites por aquilo que somos.

 

Gostava muito de ver o dinheiro dos meus impostos ao serviço de uma sociedade mais igualitária, justa e mais feliz, onde os cidadãos e as suas famílias fossem realmente a prioridade e não os interesses instalados e apenas as famílias e amigos da classe política.

Quando se passa um projeto a um cliente, morre um pouco de nós.

Quando se passa um projeto para as mãos de um cliente é como se estivéssemos a dar um pouco de nós, mesmo que nos tenham pago pelo trabalho é sempre complicado abdicar do controle do mesmo, umas vezes sentimo-nos bem, entregamos com carinho, sabendo que o cliente tomará conta dele e o fará crescer, outras sentimos a boca a amargar, cerramos os dentes e tentamos esquecer que aquele cliente irá descurar o projeto ou até destrui-lo.

Quando se trabalha com criatividade é assim, quem cria e desenvolve arrisca-se a ver os seus sonhos desfeitos, é quase como educar um filho para ser boa pessoa e ele revelar-se uma má pessoa, pode parecer uma comparação exagerada, mas os projetos quando são realizados com carinho e dedicação, são parte de nós.

 

Este dilema acontece muito nas áreas de design e comunicação, não imaginam a facada que sentimos no coração quando alguém “morfa” um logótipo ou quando o aplica indevidamente, mas o design gráfico e o design em geral são completamente desvalorizados em Portugal e para uma grande parte das pessoas trata-se apenas de um desenho, não fazendo a mínima ideia do trabalho que existe na sua criação, o que não é surpreendente quando profissionais da área vendem logótipos a granel por uma bagatela com o mesmo design seja para um talho ou para um dentista.

O nosso trabalho está feito, são dadas indicações de uso, exemplos certos e errados, depois disso cabe ao cliente ser inteligente.

 

No meio de todos os trabalhos há um que me custa particularmente passar, a gestão de páginas, outra tarefa altamente desvalorizada, é só publicar, quem sabe gastar algum dinheiro em anúncios e já está, ignoram completamente que existe toda uma dinâmica própria, horários certos para publicar, palavras-chave e uma imagem a manter.

Imagens menos boas, publicações repetidas, comentar a própria publicação dão má imagem, mas erros ortográficos e de gramaticais arruínam qualquer imagem, às vezes seria melhor não publicarem nada.

Sempre que passo a gestão de uma página fico triste, especialmente quando sei que horas e horas de dedicação serão arruinadas em poucos dias, há uma página em particular que geri durante 6 meses que me dá imensa pena, está literalmente abandonada e tem um potencial incrível.

Hoje passei a gestão de uma página de Facebook e Instagram, não foram 6 meses, foi apenas 1 mês e meio de dedicação, mas eis que a primeira publicação do cliente me despedaça o coração, pelo descuido é possível perceber que será um descalabro total, mas é seguir em frente, quando os projetos não são nossos não há nada a fazer, é seguir em frente com a consciência tranquila.

 

Só existe um revés, não podemos anunciar ao mundo que a gestão da página mudou e infelizmente algumas pessoas associarão a nós os erros, creio que depressa se terão consciência que já não tem uma gestão profissional, mas até lá também a nossa imagem é prejudicada.

Ossos do ofício, não existem profissões perfeitas.

Boa notícia, terei mais tempo para outras coisas e já não estarei de estar conectada a tempo inteiro, há que pensar positivo.

 

A nobre arte de não fazer nada e parecer muito ocupado

Há uma espécie de trabalhadores que é exímia em não fazer nada e ao mesmo tempo parecer essencial e vital para o funcionamento das empresas, digo-vos é uma arte, uma arte que não está ao alcance de todos, pois é muito difícil de executar e especialmente de sustentar ao longo do tempo.

Parecer ocupado sem realmente o estar é relativamente fácil, difícil é mesmo ocupar-se de modo a parecer que se está a trabalhar, não é fácil estar dias seguidos num escritório sem apresentar um único trabalho, é preciso ocupar o tempo de alguma forma e ter sempre um backup para apresentar trabalho caso alguém questione.

 

Em conversas com colegas a questão é sempre a mesma: Como é que ninguém das chefias percebe este comportamento? É realmente estranho que ninguém perceba que na empresa existem pessoas que praticamente não fazem nada durante o mês e que em alguns dias não fazem literalmente e rigorosamente nada.

Tanto perguntaram que comecei a analisar o comportamento dessas pessoas e existe realmente um padrão, e surpresa das surpresas não é nada de surpreendente, vejamos então em que assenta a sua estratégia.

 

- Cara compenetrada e séria em frente ao PC, uma expressão a roçar a má disposição, de quem está atolado até aos olhos em trabalho;

- Responder aos colegas que se está com muito trabalho e por isso não executar de imediato o lhes é pedido;

- Responder às chefias que irá parar de imediato o que está a fazer para executar prontamente o que lhe pedem;

- Em conversas dar a entender o quão importante é a sua função na empresa, de preferência referir que não há mais ninguém capaz de realizar o seu trabalho;

- Travar amizades no trabalho, especialmente com os chefes e levar essas amizades para a esfera pessoal;

- Resolver problemas pessoais dos colegas e especialmente dos chefes, uma pessoa prestável e disponível é sempre bem vista;

- Escolher conscientemente as amizades no local do trabalho, importa agradar aos chefes, mas também aos colegas que lhes guardam as costas e que imagine-se até os ajudam no trabalho quando reclamam que estão sobrecarregados;

- Estar atento a todas as conversas e ter sempre uma sugestão para o trabalho dos outros, mostrar-se muito interessado e entendido, mesmo que não perceba nada do assunto;

- Sair mais tarde que os colegas, mesmo que se tenha atrasado de manhã, fica sempre bem ser visto a sair depois da hora.

O maior problema é conseguir manter esta ilusão por muito tempo, porque há imensa probabilidade de acontecerem duas coisas:

- O encostado encosta-se tanto e fica numa posição tão confortável que começa a dar nas vistas e quando lhe é pedido um trabalho não tem capacidade de resposta.

- Os colegas que mais tarde ou mais cedo percebem a situação e começam a comentar uns com os outros, pode acontecer uma de suas situações ou fazem queixa às chefias ou desmotivam e passam eles também a trabalhar menos.

 

A empresa fica sempre a perder, para quem percebe a situação a revolta e a desmotivação podem ser de tal forma incomodativas que podem alterar o seu humor e o seu trabalho, inevitavelmente irar-se-á criar mau ambiente, fazer queixa e comparações com os colegas não se revela boa opção, até porque teremos de lutar contra a imagem perfeita que o colega levou anos a contruir sustentada muitas vezes por uma amizade com o chefe, as opções que nos restam são conviver com a situação ou mudar de emprego.

 

Antes de mandarmos tudo às urtigas e colocarmos em risco a nossa carreira por causa de um colega incompetente, o melhor é fazermos exatamente o oposto, trabalhar com afinco, demonstrar dedicação, apresentar trabalho e falar desse trabalho.

Quando se cria o hábito de dizer e expor o que se tem feito, tudo fundamentado com provas da sua execução, chegará uma altura em que será percetível que esse colega não tem realmente nada a apresentar e que a sua função não é na verdade tão essencial e importante como ele fez parecer.

Muitas vezes os chefes e diretores têm as listas de tarefas dos colaboradores, mas não sabem exatamente o que eles fazem e como as desempenham, para eles o importante é o trabalho estar feito, uma pena que a estratégia de recursos humanos seja inexistente e que não existam avaliações completas dos funcionários, planos de carreira e possibilidades de progressão.

Enquanto a cultura organizacional não mudar, existirão sempre estes parasitas que deambulam nas empresas como se elas realmente precisassem deles. A culpa é da gestão que cria condições para que estes parasitas se alimentem da empresa sem contribuírem para o seu funcionamento e desenvolvimento.