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Língua Afiada

Tudo ao contrário - Alunos até ao sexto ano com escola das 9 às 17 horas

E o Estado português continua a resolver o problema pela via mais fácil, como os pais precisam de trabalhar, como cada vez trabalham mais e ganham menos e por isso têm dificuldades em pagar atividades extracurriculares para ocupar o tempo dos filhos a solução passa por alargar o horário escolar, simples.

Esta forma simplista, imediata e negligente de resolver a situação é mais uma prova que ninguém tem interesse em resolver o abismo que existe entre o horário escolar e o horário laboral, insiste-se num modelo completamente ultrapassado, mais que provado que não é benéfico para nenhuma das partes, com especial penalização para as crianças e não se prevê uma mudança, nem sequer vontade de mudar esta realidade.

 

As crianças precisam de estar com a família, pais, irmãos, avós, tios, primos, amigos, precisam de atenção, carinho, de construir laços emocionais fortes e precisam de brincar, brincar é uma das formas mais criativas e divertidas de aprender, mas todos parecem esquecer-se disso.

Sinceramente assusta-me este panorama, enfiamos as crianças horas a fio em salas fechadas, muitas vezes sem grandes condições, passam praticamente o dia sentadas a ouvir professores a debitar matéria em contrarrelógio de forma automática e pouco estimulante.

Há quem culpe os professores, a culpa não é deles, mas sim do programa de ensino, das burocracias e do próprio modelo escolar que está assim definido, orientado para quantidade em vez de qualidade, completamente redutor e simplista na forma de avaliação.

Analisando o nosso sistema de ensino é realmente incrível como os portugueses conseguem ser reconhecidos por serem desenrascados e pensarem fora da caixa, propondo sempre soluções criativas, questiono-me se isso não se terá perdido algures no tempo quando passamos de “crianças criadas na rua” para “crianças de estufa”, terão as novas gerações esta mesma capacidade quando não lhes deixámos qualquer margem de manobra para desenvolverem o espírito crítico e a criatividade?

 

Na minha infância era muitíssimo fácil ficarmos entediados, não tínhamos a quantidade de estímulos que existem agora, não tínhamos tecnologia, nem uma quinta parte dos brinquedos e jogos, quando o aborrecimento se instalava tínhamos de dar asas à imaginação e inventar o que fazer e não raras as vezes em vez de perseguirmos personagens num vídeo jogo, perseguíamo-nos uns aos outros, em vez de avançarmos níveis para encontrar um tesouro, embarcávamos numa caça a um tesouro inventado com direito a exploração do bosque, de minas e de todos os perigos que conseguíssemos encontrar para tornar a experiência mais emocionante.

É verdade que nos colocamos muitas vezes em perigo, mas também isso é importante para desenvolver autonomia, autoestima, confiança, adjetivos que não se adequam às crianças de hoje.

 

O mundo mudou, é preciso adaptar-nos à nova realidade, mas não é a enfiar as crianças dentro de quatro paredes e formata-las para serem quadradas que resolveremos a questão.

Portugal vive tempos difíceis, temos um tecido empresarial pobre e desajustado, indústria baseada em mão-de-obra barata, produtos baseados em baixo custo, não se aposta em inovação e tecnologia e os gestores são na verdade patrões impreparados para gerir uma empresa, trabalhamos mais horas, mas o que produzimos nunca é suficiente porque não produzimos produtos de valor acrescentado, vendem-se pelo preço, libertam pouca margem e quem os produz tem remunerações vergonhosas e este é um círculo que se perpétua e parece não ter fim à vista.

É urgente rever prioridades e é urgente olhar para o país a longo-prazo e não para mandatos, votos e poder, os políticos não mudarão, cabe a nós exigir mais, exigir uma mudança drástica.

 

Se nada fizermos, corremos o risco de quando os nossos filhos forem maiores de idade, não os conhecermos, educados por redes socias e youtubers, desgastados por horas e horas de um ensino despropositado, completamente impreparados para a vida e sem quaisquer competências sociais serão lançados ao mundo laboral e o sentimento predominante será a frustração, nossa e deles, deles por não estarem preparados e nossa por não sabermos como os ajudar, afinal nem sequer os conheceremos.

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