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Língua Afiada

Vou fingir que herdei um milhão de contos

A ideia é simplória, vou fazer vida como se a minha avó me tivesse deixado um milhão de contos debaixo do colchão e que só agora o descobri, guardei o colchão de relíquia e agora que começava a cheirar a mofo decidi esfrangalha-lo em pedaços para descobrir lá tantas notas, tantas notas, cinco milhões de euros, um milhão de contos, número tão redondinho ali escondido este tempo todo.

Estou milionária e nem sequer ganhei o euromilhões, herdei, herdei uma fortuna choruda, tão boa e ainda por cima não registada, que interessa isso agora, se a minha avó era rica é porque era, herdou ela própria lá uns terrenos de sua madrinha que até era viscondessa, realeza, sangue-azul e portanto muito rica.

Que faço eu agora com esse dinheiro, ora vou viver à grande e à francesa, para já vou já ali ao meu banco, que até conheço o dono, amigo do peito, que me convida para fins-de-semana na sua quinta pedir um empréstimo, como garantia dou a herança, com esse dinheiro compro um apartamento de 10 assoalhadas, um carro desportivo e ainda me sobram uns trocos para criar um negócio, porreiro pá, até tenho meu negócio próprio e tudo.

O negócio começa a rolar e não é que dá dinheiro, lá vou pagando a casa e o carro, o negócio cresce, faço mais uns empréstimos para a internacionalização e aproveito o lanço e compro uma casa de férias, afinal é preciso retribuir os convites para os fins-de-semana ao dono do banco, tudo espetacular, neste momento o meu apartamento de 10 assoalhadas é a garantia do empréstimo do negócio.

E o negócio cresce, perdão floresce como o bolor numa parede húmida, é vê-lo a aumentar, mesmo sem ser regado, peço mais uns empréstimos que isto agora começa a ser sério e é preciso investir para não cair e compro mais uma casa de férias, que ser chique é ter casa de férias na praia e no campo, ter só uma casa de férias é coisa de remediados e não é de herdeiros de viscondessas.

E a vida corre bem, de empréstimo em empréstimo já nem me lembro da herança, afinal já não preciso dela.

Até que entro em falência técnica, o caos, o horror, tantos funcionários para o desemprego, património asseguradíssimo já está tudo em nome de fundações e outras empresas onde eu não tenho qualquer cargo, sou apenas uma consultora, mas um grupo empresarial falir assim como é possível? Não é, lembrei-me de falar com aquele amigo que tem um amigo que trabalha no Estado e que até tem algum poder, lá me ajudou a mexer uns cordelinhos porque ele também é amigo do dono do banco e depois de algumas negociações lá me perdoam a dívida, coitados dos trabalhadores agora ficarem sem emprego, não era possível, uma obra de caridade é o que é.

E pronto começo do zero, sem dívidas, património asseguradíssimo e um negócio que até dá lucro se bem gerido, a vida corre-me bem só porque a minha avó querida me deixou um milhão de contos imaginário.

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